segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Negócios e cálculos

Cálculos de divisão de receitas da Libra e da LFF (Liga Forte Futebol) se aproximam. 

Veja as tabelas.

O Globo Esporte teve acesso exclusivo aos documentos que detalham a matemática de cada bloco. Libra tem assembleia nesta terça em São Paulo para votar novo modelo próximo do que pede a LFF

Nos meses em que se arrastam as negociações pela criação de uma liga única de clubes no futebol profissional do Brasil, um tema jamais deixou de ser central: o rateio das receitas. 

A Liga do Futebol Brasileiro (Libra) ainda faz os últimos ajustes no seu novo modelo, que será votado nesta terça-feira (28) em Assembleia Geral presencial em São Paulo, para tentar chegar a um consenso com a Liga Forte Futebol do Brasil (LFF), que já tem suas planilhas de cálculo fechada (veja as tabelas abaixo).

O maior obstáculo continua a ser a diferença entre o que recebe o primeiro e o último colocado na fila da arrecadação dos clubes da Série A. 

Pelos contratos atuais, essa diferença está em 5.89 vezes. 

A LFF quer, no máximo, 3.5 vezes. 

O seu modelo, com percentuais pré-estabelecidos em rankings, permite chegar a 2.8 vezes. 

Já a regra que hoje está valendo no estatuto da Libra resulta em 4.88 vezes. Mas esse obstáculo pode cair nesta terça-feira (28).

A proposta que a Libra levará à votação em assembleia presencial em São Paulo fecha com uma diferença de 3.69 vezes entre o que recebe mais e o que recebe menos, em um primeiro período de transição. 

E passa para 3.24 vezes após essa transição, que se encerraria quando o total de receita com os contratos de transmissão atingir R$ 2,8 bilhões, atualmente são R$ 2,1 bilhões.

Cinco clubes tiveram maior participação na formulação dessa proposta a ser votada em assembleia pela Libra: Bahia, Botafogo, Bragantino, Cruzeiro e Vasco. 

Ainda pode haver algum ajuste nesses números em uma reunião virtual interna dos executivos da Libra nesta segunda-feira (27) com sua comissão de investimentos.

Questionada sobre quais os critérios para uma fase de transição, a LFF destacou que não deseja carregar as "distorções" do contrato atual para o novo acordo de forma que a diferença entre o primeiro e o último da fila das receitas não ultrapasse 3.5 vezes. 

Um dos pontos que para a LFF não pode continuar é a garantia mínima do atual contrato de pay-per-view. 

A LFF também quer que a premiação por performance corresponda ao desempenho ano a ano, sem contar retrospecto em temporadas anteriores.

De acordo com pessoas envolvidas diretamente na elaboração do novo modelo, esse cálculo da Libra com uma diferença de 3.69 vezes entre o primeiro e o último da arrecadação durante a transição até um patamar de receita de R$ 2,8 bilhões, tem uma razão: é o que permitiria aos clubes de maior torcida (Flamengo, Corinthians e outros) não perderem dinheiro com a mudança, e concordarem com o modelo. 

Os mesmos integrantes da Libra afirmaram que estabelecer um teto de 3.5 vezes para a diferença entre o que recebe o primeiro e o último também não está descartado.

O princípio básico do cálculo da LFF é a aplicação da tabela (veja abaixo) com esses percentuais de acordo com um ranking de performance, que basicamente é a colocação no Brasileiro. 

Nesse caso, o primeiro do ranking receberia oito vezes mais do que o último, mas muito pouco a mais do que o segundo colocado. 

Este é o outro conceito que foi seguido na elaboração desse modelo. 

Em nenhum momento há uma disparidade muito grande de percentual entre clubes com colocações próximas.

No caso da Libra, a proposta de performance também tem um peso de 30% no rateio total, mas não estabelece percentual fixo para o que cada clube recebe. 

No cálculo que irá à votação, a posição na lista de arrecadação também corresponde à colocação no Brasileiro.

O cálculo da variável de apelo comercial, que pode envolver engajamento, presença de torcida, audiência e outras métricas, é o item mais complicado do rateio. LFF e Libra até agora não se entenderam sobre os critérios a serem usados para calcular essa variável. 

Mas um acordo pode estar próximo, dependendo do que for aprovado na assembleia da Libra nesta terça.

A LFF quer que somente a audiência seja aplicada para a divisão, mas o cenário atual do modelo da Libra inclui pay-per-view, ocupação de estádio e média de público. 

A nova proposta da Libra, que depende de aprovação dos seus membros, é também calcular este item somente por audiência, mas sem "amarras", ou seja, sem uma tabela de percentuais fixos como é o cálculo da LFF, que reduz a diferença entre o que recebem clubes com colocações próximas em seu ranking.

Pela tabela apresentada pela LFF, nesta variável o primeiro do ranking recebe 9,70% e, o último, 0,30%. 

Ou seja, uma diferença de aproximadamente 32 vezes. 

Sem os percentuais fixos, no modelo da Libra essa diferença pode alcançar 60 vezes, mas os membros ouvidos pelo Globo Esporte explicaram que não enxergam isso como problema porque no quadro geral a diferença entre primeiro e último ficaria no patamar de 3.5 vezes desejado pela LFF.

No modelo da LFF, o ranking para este item seria gerado pela audiência média de cada clube, ponderada pelo investimento de cada grupo de mídia comprador de direitos do Brasileirão. 

A medição seria feita na televisão aberta e fechada pelo Ibope. 

Nos serviços de streaming, a medição viria das próprias plataformas, com auditoria externa. 

A proposta que será votada na Libra é semelhante, mas sem travas para diferenças maiores entre clubes com colocações próximas na fila da arrecadação.

Os números da proposta do fundo americano Serengeti, em parceria com a LCP Corretora, para a LFF, já são conhecidos. 

Por uma liga com os 40 clubes das séries A e B do Campeonato Brasileiro, a oferta é de R$ 4,85 bilhões, R$ 100 milhões a mais do que a proposta do Mubadala Capital, fundo estatal dos Emirados Árabes, para a Libra, e com cronogramas de pagamento semelhantes.

No caso de ambas, 50% do total seria quitado de imediato na assinatura do contrato. 

Porém, a proposta de pagamento do Serengeti é dos outros 25% em um ano após a assinatura, com o restante em 18 meses. 

No caso do Mubadala, seriam mais duas parcelas em 12 e 24 meses depois da assinatura.

A proposta de rateio está bem definida na apresentação que já foi mostrada à Libra. 

São 80% das receitas para os clubes da Série A, 18% para as equipes da B, e 2% para os que disputam a C.

Na Libra, a previsão é de 15% do total de receitas para os clubes da Série B, sem verba para a C.

Os critérios para distribuição entre os clubes da Série A do Brasileiro na LFF seriam 45% igualitário, 30% de performance e 25% de apelo comercial (audiência), com uma diferença máxima entre o que mais recebe e o que menos arrecada de 3.5 vezes. 

Na Libra, pelo modelo atual, essa diferença é de 4.88 vezes, com divisão em 40-30-30 e diferenças sensíveis nos critérios da variável de apelo comercial e engajamento. 

A proposta que será votada na terça reduziria a diferença para 3.69 vezes, mas manteria o modelo 40-30-30 durante um período de transição, adotando o rateio em 45-30-25 somente após esse intervalo.

Outra questão ainda pode tornar um pouco mais complicada a união dos blocos. 

Pelo acordo com o Serengeti, o fundo dará uma cota de "boa fé" de R$ 350 mil para os membros da LFF a partir da assinatura do termo que ocorreu há algumas semanas. 

Isso vincularia formalmente os clubes ao fundo, garantindo um lugar à mesa de negociação. 

O pagamento nessa cota, conforme apurou o ge, não seria um obstáculo para o Mubadala Capital, no caso de adesão dos 40 clubes.

Porém, o Mubadala, que está com a Libra, não pretende acomodar outro investidor. 

E essa cota garantiria um lugar ao Serengeti na mesa de negociação. 

Essa questão só não foi sacramentada ainda porque, para pegar o dinheiro, cada clube da LFF precisa de aprovação de seu respectivo conselho para o termo assinado.

Outro ponto de impasse também tem boa chance de ser resolvido nesta assembleia da Libra. 

Na primeira versão de seu estatuto, a associação incluiu a necessidade de unanimidade para votações de maior relevância, como as que acontecem nesta terça-feira (28), e as que poderiam mudar o modelo de divisão de receitas. 

Essa exigência de unanimidade foi um dos fatores que levou diversos clubes para a LFF, com receio de, uma vez na Libra, jamais conseguirem uma votação unânime para atender aos seus interesses.

Além de outras alterações para atualizar seu estatuto, os membros da Libra votarão nesta terça a possível derrubada desta cláusula. 

Em vez de unanimidade, essas mudanças mais importantes seriam aprovadas por maioria de 85% dos votos válidos. 

Na LFF, são exigidos votos de dois terços dos membros para as aprovações de maior relevância.

O Globo Esporte ouviu membros da LFF a respeito da estrutura jurídica a ser adotada para o recebimento dos recursos e a resposta foi de que a questão fiscal está sendo estudada com maior intensidade agora.

No caso da Libra, o Mubadala Capital estruturou a operação de forma que não se altere a conjuntura fiscal de cada membro, com as receitas sendo depositadas numa conta de repasse direto para cada integrante. 

Dessa forma, os clubes, em especial os que não se tornaram empresas, que possuem privilégios fiscais, não ficariam sujeitos à tributação regular de uma empresa privada, bem mais alta.

Embora em termos de estrutura fiscal e jurídica a Libra já esteja aparentemente mais avançada do que a LFF, dois pontos já decididos no outro bloco ainda são negociados dentro da proposta do Mubadala Capital, que já teria gasto cerca de R$ 15 milhões só em consultorias e estudos para estruturação da liga. 

O fundo ofereceu R$ 4,75 bilhões por 20% da liga com 40 clubes.

Porém, não foi estipulado na proposta um valor para fechar somente com os integrantes do bloco. 

No caso da LFF, esse montante foi fechado em R$ 2,18 bilhões.

No caso da LFF, inicialmente, foi montado um sistema no qual as receitas da liga seriam depositadas em uma empresa, para depois serem repassadas ao clubes. 

Dessa forma, os clubes arcariam com a tributação de uma companhia privada, bem superior ao imposto que pagam atualmente. 

Mas, de acordo com membros da LFF ouvidos pelo Globo Esporte, a questão fiscal está sendo observada com maior profundidade nas últimas semanas e essa estrutura pode mudar.

Pelo desenho feito entre Mubadala e Libra, os clubes vendem 20% dos direitos, o faturamento é dividido 20% na direção da empresa de mídia que já está criada pelo Mubadala. 

Os 80% restantes vão pra uma conta de repasse, que só divide o dinheiro para os clubes. Na prática, os clubes pagariam o mesmo imposto que pagam hoje.

A forma com ambos os blocos vão desenvolver a questão do Fair Play Financeiro, ou seja, uma forma de controle da responsabilidade de gestão dos clubes membros da liga, ainda está em aberto e em estágio inicial.

No caso da Libra, essa foi uma exigência do investidor Mubadala Capital desde sua entrada no processo. 

O primeiro aporte de dinheiro a ser feito terá algumas possíveis destinações já determinadas. 

Já o restante seguirá padrões de grandes ligas do exterior sempre com a premissa básica de não gastar mais do que se recebe.

Na LFF, também já foi acertada com o investidor Serengeti a construção de um modelo de Fair Play baseado nas práticas das ligas europeias, mas ainda não há nada formalizado nesse sentido.

Reportagem: Globoesporte.globo.com

 

Adaptação: Eduardo Oliveira

 

Revisão de Texto: Ana Cristina Ribeiro

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