segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Mundial de respeito

A Copa do Mundo Feminina de 2019 foi a do "Equal Pay". 

Em 2023, vem aí o Mundial do Respeito.

A luta por pagamento justo ainda é longa, mas já tem alguns fortes avanços. 

Agora, as jogadoras mostram que não querem só dinheiro, e para ter profissionalismo e tratamento adequado podem pagar com o sacrifício das próprias carreiras.

A cada quatro anos, torcedores de todo o mundo acompanham durante um mês os caminhos que a bola vai traçar em um determinado lugar do planeta para coroar, no jogo final, a grande seleção do momento, celebrar os ídolos, novos e antigos.

A Copa do Mundo é sobre isso: quem é o dono da bola, quais são os craques do momento, as inovações táticas. Tudo dentro das quatro linhas. 

Isso, claro, no futebol masculino.

No feminino, a Copa vai muito além das quatro linhas. 

Pode-se dizer que a bola é instrumento de trabalho, de fantasia, de competição... e também de luta. 

É a hora em que as jogadores conseguem alguma atenção concentrada e podem, juntas, reverberar suas vozes, que normalmente dizem a mesma coisa por todo o planeta.

Não importa o idioma, todas elas clamam contra o preconceito e a discriminação.

A cinco meses da Copa do Mundo Feminina da Austrália e da Nova Zelândia, pelo menos três seleções classificadas, França, Canadá e Espanha, vivem momentos de tensão entre jogadoras e comissão técnica e/ou federação. 

Os motivos são diversos: métodos de trabalho, gestão de pessoal, problemas na preparação, falta de investimentos... 

Na raiz de todos eles, discriminação de gênero. 

Em que seleção masculina um treinador seria mantido se 15 jogadores, alguns titulares absolutos, pedissem dispensa de uma convocação alegando problemas com os métodos do treinador?

Do Equal Pay ao Respeito: Em 2019, a Copa do Mundo Feminina da França terminou com a arquibancada do estádio em Lyon gritando em uníssono, no dia da final que consagrou o título dos Estados Unidos: Equal Pay, Equal Pay, Equal Pay... 

Naquele mesmo ano, a cerimônia do FIFA (Federação Internacional de Futebol) The Best, que consagrou a americana Megan Rapinoe como melhor jogadora do mundo, mudou o protocolo e terminou com a premiação feminina. 

Voz mais atuante da seleção, Megan aproveitou os holofotes para discursar contra a discriminação de gênero no futebol.

Nesta segunda-feira (27), há outra cerimônia do FIFA The Best. 

Haverá espaço para discutir os problemas do futebol feminino, a cinco meses da Copa? 

Alexia Putellas, atual melhor do mundo e uma das finalistas, não sabe se irá ao Mundial. 

Não por causa da lesão no joelho, e sim porque ela e suas colegas contestam o trabalho do próprio treinador da seleção espanhola.

Há quatro anos, as mulheres gritavam para o mundo o tamanho da injustiça financeira que fazia com que, em um mesmo país, uma seleção tetracampeão mundial e tetracampeã olímpica fosse menos remunerada que uma seleção masculina de terceiro escalão mundial.

Aos poucos, bem devagarzinho mesmo, algumas seleções conseguiram melhorar essa situação. 

A dos Estados Unidos, por exemplo, a mais vitoriosa da modalidade, e também uma das que mais lutaram, as jogadoras chegaram a processar a própria federação, conquistou ano passado o acordo mais próximo do ideal: os prêmios recebidos pelas seleções masculina e feminina entram em um "caixa único" e são divididos para homens e mulheres igualmente.

Outros acordos de Equal Pay já foram feitos por diversas seleções femininas, inclusive a brasileira, em 2020. 

Nem sempre nos melhores moldes, mas todos são, sim, uma vitória, um passo a mais. Mesmo as mais longas caminhadas começam com um primeiro passo, não é o que dizem?

Agora, às vésperas da Copa seguinte, a primeira com 32 seleções, as mulheres mostram que não querem e não vão parar no primeiro passo. 

A luta pelo pagamento justo já é uma realidade, mesmo para aquelas que ainda não alcançaram suas reivindicações.

A Copa que se avizinha, no entanto, será a Copa do Respeito. 

Não é só pelo dinheiro. 

As jogadoras querem condições de trabalho, dignidade esportiva e pessoal, profissionalismo em alto grau. 

Infelizmente, não é o que temos visto por aí, inclusive em clubes e seleções da primeira prateleira mundial. 

Mas elas vão lutar, já estão lutando. Dispostas, inclusive, a sacrificar sonhos pessoais e profissionais.

Nesse campo, o grande exemplo foi a norueguesa Ada Hegerberg, Bola de Ouro da France Football em 2018 (a primeira edição outorgada ao futebol feminino). 

A craque do Lyon ficou cinco anos fora da sua seleção em protesto contra a federação do país. 

Deixou de disputar a Copa de 2019 e sua ausência ecoou forte a mensagem de que algo precisava mudar. Retornou, após alguns avanços obtidos pelas jogadoras.

Dessa vez, são muitos os focos de insatisfação, luta e sacrifícios:

"Em janeiro, a meia islandesa Sara Björk venceu uma ação na FIFA contra o Lyon, maior campeão da Champions League Feminina, para receber os pagamentos devidos durante sua gestação e licença maternidade"

Desde setembro, um grupo formado por pelo menos 15 jogadoras da seleção espanhola está afastado da equipe por decisão própria, em protesto contra a permanência do treinador Jorge Vilda, questionando seus métodos de trabalho. Entre elas estão titulares inquestionáveis, como Mariona Caldentey, Ona Batlle, Mapi León e Sandra Paños, e jovens promessas como Aitana Bonmatí, Patri Guijarro e Claudia Pina. Alexia Putellas, uma das melhores jogadoras do mundo, não está sendo convocada por lesão, mas apoiou o protesto das colegas. A Federação Espanhola está ao lado do treinador, que segue no cargo. Não se sabe se as jogadoras afastadas disputarão a Copa".

"Há duas semanas, as jogadoras da seleção do Canadá, com apoio da equipe masculina, ameaçaram não disputar o torneio SheBelieves Cup, reclamando falta de investimento da Federação Canadense na preparação para a Copa, e protestando por não terem recebido nenhum pagamento durante todo o ano de 2022. Ameaças de processo pela federação, as jogadoras disputaram a SheBelieves sob protesto. Tiveram o apoio público da seleção dos Estados Unidos no jogo de estreia".

"Na última sexta-feira, a zagueira Wendie Renard, capitã da seleção francesa, com 33 gols marcados em 138 partidas, renunciou à equipe nacional. No mesmo dia, as atacantes Kadidiatou Diani e Marie-Antoinette Katoto seguiram o mesmo caminho. "Não posso endossar o sistema atual", explicou Renard na nota publicada em suas redes sociais. A seleção francesa, segunda adversária do Brasil no Grupo F da Copa, convive há pelo menos cinco anos com fortes problemas de relacionamento entre jogadoras e a técnica Corinne Diacre. Renard, Katoto, Eugénie Le Sommer, Amandine Henry, Gaëtane Thiney, Sarah Bouhaddi... não é pequena a lista de atletas que, em algum momento, se indispôs com a treinadora, por motivos diversos. Após a renúncia tripla de sexta-feira, a Federação Francesa anunciou uma reunião para tratar do caso nesta terça-feira (28). A impresa do país afirma que existe a possibilidade de Diacre anunciar sua saída do cargo".

A Copa do Mundo Feminina vem aí, e para as mulheres o que está em jogo é muito mais do que o título mundial.

Reportagem: Globoesporte.globo.com

 

Adaptação: Eduardo Oliveira

 

Revisão de Texto: Ana Cristina Ribeiro

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