sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Punição ao City

Manchester City não será o único punido se UEFA (União das Associações Europeias de Futebol) fizer Lava Jato.
Gabriel Jesus em disputa pela bola contra o Sheffield pelo Campeonato Inglês. (Foto: Globoesporte.globo.com)  
Punição é por inflar cotas de patrocínio artificialmente.

A principal acusação da UEFA ao Manchester City para afastá-lo das duas próximas edições da Champions League é a de ter inflado artificialmente os contratos de patrocínio. 

A entidade entende que, em 2016, o clube recebeu 8 milhões de libras de seu contrato com a Etihad Airlines, mas divulgou ter arrecadado 67 milhões de libras pelo mesmo acordo.

A companhia aérea estampa sua marca na parte frontal do uniforme dos citizens e compra os direitos de nome do estádio City of Manchester, rebatizado Etihad Stadium.

Pagar 30 milhões de euros de multa parece ridículo para um clube capaz de oferecer 60 milhões de euros à Juventus para contratar o lateral português João Cancelo. 

A punição é exemplar, no entanto, por retirar o clube inglês das duas próximas edições da Champions League. Isso pode ser definitivo.

Na década de 1990, quando os valores de transmissões televisivas eram muito menores do que hoje, o presidente do Paris Saint-Germain, Michel Denisot, costumava dizer que uma temporada fora da Champions é possível de superar. 

Duas temporadas distante da principal competição de clubes do continente são avassaladoras para as finanças de um clube grande.

Denisot deixou o comando do Paris Saint-Germain em 1998, o que demonstra que as duas ausências 22 anos depois podem ser ainda mais destruidoras.

O Manchester City pode superar esse trauma com o dinheiro de seu proprietário, o sheik Mansour bin Zayed. 

Ocorre que a UEFA deixou claro que não basta o bilionário dos Emirados colocar parte de sua fortuna nos cofres. 

É preciso contar a origem do dinheiro.

Hoje há riscos de duas naturezas. 

O primeiro é a UEFA expandir a punição ao Manchester City, ampliando a investigação para clubes como Paris Saint-Germain e Chelsea.

Até a temporada passada, o principal patrocinador do Paris Saint-Germain era a Emirates, mas as mangas da camisa constam com o patrocínio do QNB, Qatar National Bank. 

É um dos principais patrocinadores de Neymar. 

O Paris Saint-Germain é um clube qatari com hospedagem no Campeonato Francês. 

Não há indício de irregularidade. 

Também não havia no caso da Etihad.

O outro risco é a Uefa perder a contestação do City na Corte Arbitral do Esporte. 

Ou pior, diminuir a punição como fez com o Chelsea, impedido de contratar novos jogadores por dois anos e que teve a pena atenuada em janeiro deste ano.

Neste caso, a punição correria o risco de cair no ridículo. 

Seria pior do que não punir.

Houve no passado penas pesadas, como a suspensão do Olympique de Marselha de competições internacionais e cassação do título francês de 1993, o clube não perdeu a Champions que conquistou na mesma temporada. 

Aquela pena levou o time do sul da França à segunda divisão e tirou dele a chance de disputar o Mundial de Clubes contra o São Paulo. 

O Milan, vice europeu, disputou em seu lugar.

Antes da punição, o Olympique de Marselha era capaz de contratar jogadores da Inglaterra, como o meia Chris Waddle, quatro vezes campeão francês e vice-campeão da Copa dos Campeões da Europa pelo time francês, em 1991.

Caso Manchester City: entenda o Fair Play Financeiro e por que o Paris Saint-Germain não foi punido.

Clube francês também foi investigado pela UEFA por supostas fraudes em contratos de patrocínio, mas caso está arquivado. 

Veja como funciona o regulamento que puniu o time inglês.

Em vigor desde 2010, o Fair Play Financeiro da UEFA fez, nesta sexta-feira, sua maior vítima no continente: o Manchester City. 

A exclusão das competições europeias por dois anos e a multa de € 30 milhões (R$ 140 milhões na cotação atual) é a maior já imposta a um clube no continente. 

O clube irá recorrer ao Tribunal Arbitral do Esporte (TAS) para tentar ser absolvido ou diminuir a punição.

Como funciona tal regulamento? 

E por que o Paris Saint-Germain, que fez contratações recordes nos últimos anos financiado por um grupo do Catar, não foi punido?

Para tentar responder tais perguntas, o GloboEsporte.com ouviu o especialista em gestão esportiva da empresa de consultoria Ernst & Young, Pedro Daniel. 

Ele foi um dos responsáveis por adaptar a prática do Fair Play Financeiro usado na Europa para o Profut, o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro.

Quando surgiu o Fair Play Financeiro da UEFA?

O regulamento foi aprovado pela entidade europeia em 2010 e entrou em funcionamento efetivamente em 2011. 

Ele visa melhorar a saúde financeira dos clubes do continente e, basicamente, tem como meta equilibrar os gastos dos times.

Eles não podem gastar mais do que arrecadam. 

No entanto, em 2015, o texto foi atualizado e incluiu itens de controle de investimentos. 

O próprio Manchester City, o Paris Saint-Germain e o Chelsea, financiado com bilhões por seus donos, inspiraram a atualização.

Quais são as principais regras do Fair Play Financeiro?

São três princípios básicos:

Sem calote: os clubes que se qualificam para as competições da UEFA têm de provar que não têm dívidas em atraso com outros clubes (transferências, etc), salários de jogadores, previdência social e autoridades fiscais.

Controle de gastos: o clube não pode gastar € 5 milhões além do que arrecada por período de avaliação, que é de três anos. 

No caso de clubes cujos donos tenham patrimônio como garantia para fazer o pagamento, o valor pode chegar a € 30 milhões. 

As despesas com estádios, centros de treino e aposta na formação de jovens e no futebol feminino não entram na conta.

Investimento "sustentável": em 2015, a UEFA atualizou o regulamento para ter um maior controle sobre os gastos excessivos. 

É o principal item no qual Manchester City e Paris Saint-Germain se encaixam. 

A entidade monitora clubes que tenham tido injeção suspeita de dinheiro, mas, ao mesmo tempo, controla aqueles times com dificuldades estruturais.

Quais as punições possíveis?

A UEFA criou o Comitê de Controle Financeiro dos Clubes (CFCB, na sigla em inglês) para fiscalizar seus afiliados. 

Foi o órgão responsável pela punição ao City. 

Há vários tipos de sanções em caso de descumprimento das regras:

Advertência

Repreensão

Multa

Dedução de pontos

Retenção das receitas de uma competição da UEFA

Proibição de inscrição de novos jogadores nas competições da UEFA

Restrição ao número de jogadores que um clube pode inscrever para a participação em competições da UEFA, incluindo um limite financeiro sobre o custo total das despesas com salários dos jogadores inscritos na lista principal para a participação nas competições europeias

Desqualificação das competições a decorrer e/ou exclusão de futuras competições

Retirada de um título ou prêmio

Qual o protocolo?

O Manchester City está sob investigação da UEFA desde o início do ano passado. 

O clube é notificado e intimado a apresentar documentos e dados para análise da entidade, que atestará ou não a fraude. 

O caso é acompanhado a cada três meses. 

Caso a inconsistência persista, uma punição pode ocorrer.

"O Fair Play serve para trazer lisura e sustentabilidade a longo prazo. Se não há lavagem de dinheiro. Se as coisas estão feitas com boas práticas. Com o PSG aconteceu a comunicação e há um acompanhamento. No caso do City, isso já tinha acontecido, e agora com a comunicação, significa que não cumpriu com aquele plano", avaliou Pedro Daniel.

Por que o City foi punido?

O City foi considerado culpado por ter inflacionado de forma falsa os valores de seus patrocínios, no período entre 2012 e 2016. 

O regulamento considera uma parte relacionada ao clube quando uma entidade, sozinha ou em conjunto com outras ligadas a um mesmo dono, represente mais de 30% das receitas totais de um clube.

A UEFA determina que os proprietários façam seus investimentos nos clubes através de contratos de patrocínio. 

Tais acordos são passíveis de ajustes do órgão europeu para garantir um "equilíbrio das contas para um nível mais adequado com os preços de mercado". 

Para simplificar: se um clube apresentar uma receita de origem duvidosa, ele pode sofrer consequências.

No caso do City, seu proprietário, o Sheik Mansour bin Zayed Al Nahyan, da família que governa Abu Dhabi, estava financiando o patrocínio anual de 67,5 milhões de libras da camisa, estádio e as divisões de base através da Etihad Airways, companhia aérea de seu país.

No entanto, documentos obtidos pela UEFA atestariam que apenas 8 milhões de libras foram financiados diretamente pela empresa.

Por que o Paris Saint-Germain não foi punido?

A UEFA comunicou que abriu investigação contra o Paris Saint-Germain por suposta fraude no Fair Play Financeiro em setembro de 2017. 

O processo, no entanto, foi arquivado. Em julho do ano passado, o jornal “New York Times” publicou que o caso contou com divergências e uma atuação “de olhos fechados” dos investigadores da entidade europeia.

A reportagem cita que o juiz português José Narciso da Cunha Rodrigues, o mesmo responsável pela punição ao City, chegou a produzir um relatório que atestava que houve “aplicação errônea das regras por parte do investigador-chefe”, o belga Yves Leterme.

A UEFA tentou reabrir o processo, mas o Paris Saint-Germain foi ao TAS e alegou “erro de procedimento”, e o caso foi encerrado. 

Pedro Daniel reforça que a punição é apenas um último recurso adotado.

"Tem um percentual máximo de que o proprietário do clube pode colocar de patrocínio em relação ao total da receita. Quando foi feita a análise foi feita em cima do Paris Saint-Germain, foi apresentado um plano mostrando que o patrocínio não atingia o valor total nem o potencial de receita. A gente tem que lembrar que essa análise não é feita depois, tem um acompanhamento. São mais preventivos do que punitivos".

Outros clubes já foram punidos?

Sim. 

Em 2012, os clubes turcos Besiktas e Bursaspor foram suspensos de competições europeias por um ano por gestão irresponsável. 

Em 2014, Paris Saint-Germain e Manchester City escaparam de uma punição mais drástica da entidade. 

Mas foram obrigados a impor um teto salarial no clube e limitar o elenco a 21 jogadores para evitar a gastança.

As sanções mais recentes foram ao Galatasaray, suspenso em 2016 um ano de torneios da UEFA. 

Em 2018, o Milan foi excluído por duas temporadas, mas conseguiu reverter a situação no TAS. 

No entanto, em outro processo, o clube foi banido dos torneios europeus da atual temporada.

Reportagem: Globoesporte.globo.com

Adaptação: Eduardo Oliveira

Revisão de Texto: Ana Cristina Ribeiro

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