quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Promessas não cumpridas

Promessas ambientais foram pedra no sapato de últimas sedes olímpicas.

Desde o fim da década de 1990, quando a questão ganhou mais importância para o COI (Comitê Olímpico Internacional), cidades-sede deixaram a desejar; poluição do rio Sena arriscou provas do triatlo nos Jogos de Paris 2024.

Por muito pouco, as Olimpíadas de Paris 2024 não perderam as provas de triatlo. 

Isso porque a promessa de limpeza do rio Sena, que corta a capital francesa, não foi cumprida. 

A questão não pegou bem para a sede e suscitou reflexão sobre o legado ambiental de outros palcos olímpicas, como o Rio de Janeiro (em 2016). 

Mas o histórico, geral, está longe de ser positivo.

A água e o ar foram os maiores desafios das últimas edições dos Jogos Olímpicos, desde o fim da década de 1990, quando o Comitê Olímpico Internacional passou a adotar o compromisso ambiental como pilar olímpico, especificamente, em 1996. 

Bilhões foram investidos por cidades como Rio, Londres e Pequim mas, em alguns casos, os atletas de outros países não ficaram a tempo de ver as promessas ambientais tomarem corpo nas sedes.

Rio atrasou despoluição da Baía por anos: Eleito sede dos Jogos de 2016 em 2009, o Rio de Janeiro queria limpar 80% da Baía de Guanabara. 

Porém, desistiu dois anos antes da abertura do evento, reconhecendo que isso só seria possível em mais de 25 anos. 

A promessa, na verdade, remonta a um programa de 1994 descontinuado em 2006.

O problema está nas margens da Baía: a falta de circulação impede a renovação das águas, algo que ocorre com mais facilidade mais ao centro e próximo à boca. 

Isso facilita o acúmulo de resíduos. Além disso, o nível de tratamento de esgoto no estado é baixo. 

Hoje, das 7 cidades banhadas por ela, só Niterói e o Rio de Janeiro têm um sistema satisfatório.

Ecobarreiras e ecobarcos foram utilizados como medidas paliativas na época. 

E se chamou atenção o mergulho da prefeita de Paris nas águas do Sena, episódio semelhante se deu no Rio: o então secretário estadual de Ambiente André Corrêa mergulhou em uma área próxima à boca da baía.

Quatro anos após os Jogos, porém, amostras do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) apresentaram uma piora na qualidade da água do corpo hídrico. 

O número de amostras com qualidade ruim subiu em 75%; de 38% das amostras para 66,6%. 

Na época, a quantidade de esgoto tratado no estado caiu, e a baía recebia 18 mil litros de esgoto por segundo.

A Lagoa Rodrigo de Freitas também preocupou: nela, foi detectada 1,7 bilhão de adenovírus por litro. 

Seu fundo tinha mais de um metro de lodo, resultado de anos de despejo de esgoto sem tratamento (o que acontecia até 2001) e outros fenômenos. 

A prefeitura do Rio investiu 10 milhões no desassoreamento da lagoa.

Veículos estrangeiros, como a Associated Press (AP) e a CNN dos Estados Unidos, criticaram abertamente o estado da água no Rio, apontando a alta mortandade de peixes na Lagoa Rodrigo de Freitas, chamada de "notoriamente fétida", e apontando níveis altos de vírus e bactérias originados de esgoto doméstico em pontos de competição olímpica.

Membros das comissões austríacas chegaram a se queixar de sintomas em contato com a água, e atletas brasileiros da vela reclamaram do excesso de lixo na Baía de Guanabara. 

Durante os jogos, porém, a avaliação da Lagoa Rodrigo de Freitas melhorou e a água quase foi considerada própria para banho; na época, coletas eram feitas duas vezes ao dia.

Mas mesmo com os temores, parte da delegação holandesa mergulhou na lagoa para celebrar o ouro da dupla do remo Ilse Paulis e Maaike Head, no duplo skiff peso leve. 

O espaço também sediou provas da canoagem. 

Já a Baía de Guanabara foi palco do ouro brasileiro na vela, conquistado pela dupla Martine Grael e Kahena Kunze na classe 49erFX.

A Baía de Guanabara só começou a melhorar nos últimos dois anos, após o leilão da empresa pública de águas e esgoto (Cedae). 

Foram investidos R$ 2,6 bilhões e, desde o ano passado, praias geralmente impróprias como as de Botafogo, Flamengo e Glória, na Zona Sul, começaram a apresentar água mais clara e bons marcadores. 

Segundo o Inea, o número de coliformes caiu 90% em Botafogo.

Já na Lagoa Rodrigo de Freitas, há 13 elevatórias de esgoto em seu entorno, e o despejo de resíduos é coibido pela empresa responsável pelo saneamento no estado. 

Desde 2019 não há mais mortes de peixes, que voltaram a frequentar a região. 

A água está mais clara (o que se atribuiu à presença de um mexilhão exótico) e o índice de coliformes caiu, embora siga acima dos mil por 100 ml de água.

Londres recuperou rio, mas poluição do ar não diminuiu: A sede das Olimpíadas de 2012 era considerada uma das cidades mais poluídas da Europa, com níveis alarmantes de dióxido de nitrogênio na atmosfera. 

A concentração de ozônio, cujo limite não deveria passar de 100 microgramas por metro cúbico segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), alcançava os 190 na época.

Uma nuvem de poluição, potencializada pelo calor do verão europeu e a presença de gases poluentes na atmosfera, colocou em risco o bem estar de atletas de modalidades como a maratona, triatlo e ciclismo.

No ano dos Jogos, o governo investiu em uma solução imediatista: a emissão de acetato de magnésio de cálcio no ar. 

O problema, porém, persiste na região; em 2017 a ONU (Organização das Nações Unidas) chegou a acusar o Reino Unido de arriscar a vida e saúde da população com o descontrole na poluição atmosférica; na época, os níveis de NO² continuavam altos, causando um impacto aos cofres públicos de 20 bilhões de libas.

Por outro lado, a cidade conseguiu efetuar a limpeza do rio Lea, palco das provas de canoagem, para a qual foram utilizadas máquinas que removeram o lixo do solo. 

O rio também teve suas águas filtradas e margens reflorestadas, e foi novo lar para espécies de peixe retiradas de outros corpos hídricos. 

No entanto, os esforços para manutenção do rio continuam, com trabalho voluntário.

Pequim não sustentou metas após fim dos jogos: Fechamento de fábricas poluentes na capital e regiões vizinhas, impostos para carros mais poluentes, adoção mandatória de ações de compensação ambiental por empresas com ação na bolsa de valores... 

Os investimentos da China chegaram a 17 bilhões de dólares para tentar reduzir a poluição atmosférica que tornava o céu azul um evento raro na capital Pequim, a tempo dos Jogos de 2008.

Em 2007, o nível de partículas finas do ar girava em torno de 200, 4 vezes maior que o valor considerado seguro pela OMS, a Organização Mundial de Saúde. 

Um ano depois das Olimpíadas, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep), revelou queda na taxa de poluição, no período dos torneio, de 36% na capital chinesa.

Algumas medidas, porém, foram revertidas após o fim do torneio. 

Em 2013, as taxas voltaram a preocupar: o número de partículas poluentes era duas vezes maior que o limite recomendado pela OMS. 

Aí, o país apertou o cerco e ativou o Plano de Ação Nacional da Qualidade do Ar; o orçamento chegou a quase 400 bilhões de dólares investidos.

Como resultado, a China reduziu em 40% o nível de poluição atmosférica, entre 2013 e 2020. 

Os dados foram revelados por um relatório do Instituto de Política de Energia da Universidade de Chicago (EPIC), nos Estados Unidos. 

No fim do ano passado, porém, 80% das principais cidades chinesas registraram alta na poluição atmosférica pela primeira vez em uma década.

Atenas também deixou a desejar em 2004: Dick Pound, membro do COI, votou contra a escolha da cidade grega para sede das Olimpíadas em 1997. 

E o motivo era a situação climática em Atenas, que forçou a equipe médica do Comitê Olímpico dos Estados Unidos a desenvolver uma preparação formal a seus atletas.

A poluição era causada pelas emissões dos carros e das indústrias e agravada, no verão, pelas altas temperaturas e a umidade. 

O limite seguro de partículas poluentes no ar, por metro cúbico, é de 20 em média anual; Atenas apresentava 44 na época.

A prefeitura introduziu um Plano Diretor de Atenas (AMP): garantiu adotar combustíveis verdes nos ônibus, ampliar a malha metroviária, plantar árvores e até introduzir carros elétricos. 

Um legado alcançado pela cidade foi a despoluição da Baía de Faliro.

Porém, o problema com gases e partículas na atmosfera persiste, causado ainda pela queima de madeira em consequência da crise econômica que atingiu o país nos últimos anos. 

Outra questão ainda não solucionada é o lixo deixado nas praias - sobretudo por turistas.

Sydney avançou, mas aquém do necessário: A cidade australiana, que recebeu as Olimpíadas em 2000, foi a primeira candidata cuja campanha se baseou na preservação ambiental ainda em 1993, 3 anos antes da questão ser oficialmente adotada pelo COI.

O carro-chefe do legado olímpico em Sydney foi a descontaminação parcial da Baía de Homebush, que recebeu lixo e materiais pesados por décadas. 

A limpeza da região custou cerca de 137 milhões de dólares: milhões de metros cúbicos do solo foram recuperados com aterramento, reflorestamento e a criação de um sistema de drenagem e tratamento de poluentes.

O local hoje é o Parque Olímpico de Sydney. No entanto, até os dias de hoje ainda há níveis preocupantes de metais pesados na água, principalmente dioxina, questão que não foi resolvida a tempo para os Jogos.

Atualmente, a pesca é proibida na região por risco para a saúde.

Sede em 1992, Barcelona reconstruiu praias: Hoje é difícil imaginar, mas nem sempre Barcelona foi uma cidade de fato costeira. 

Em 1992, quando a preocupação com o impacto ambiental nas cidades começava a engatinhar dentro das Olimpíadas, a capital da Catalunha sequer tinha praias.

O governo, porém, conseguiu recuperar mais de 4km de faixas de areia, antes ocupadas pela indústria. 

Para isso, fábricas foram demolidas, linhas de trem costeiras foram extintas e até areia foi importada do Egito. 

Depois dos Jogos, foi criada uma instituição, Barcelona Regional, para a continuidade da empreitada.

Reportagem: Globoesporte.globo.com

 

Adaptação: Eduardo Oliveira

 

Revisão de Texto: Ana Cristina Ribeiro

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