Conheça a bola criada por crianças que virou sinônimo de esperança em campo de refugiados na África.
Garotos produzem bolas com materiais recicláveis e tentam vendê-las para gerar renda e melhorar realidade.
Reportagem do ge esteve no Malawi e apresenta como o esporte está inserido no dia a dia das pessoas que vivem no campo de refugiados Dzaleka.
Em uma viela de terra, restos de plástico e pano vão sendo enrolados em uma bexiga por pequenas mãos habilidosas.
Uma corda fina dá o acabamento final, e uma seringa é improvisada para encher a bola.
Quando ela fica pronta, as crianças, responsáveis pela produção, logo começam chutá-la pelas ruas do campo de refugiados Dzaleka, no Malawi, na África.
A criatividade mostra o potencial dos garotos.
O capricho na confecção ilustra o quanto a bola de futebol é importante para eles.
A reportagem do ge esteve no campo de refugiados Dzaleka e viu que ela é mais do que um objeto de diversão.
É vista como um instrumento para realizar sonhos.
Ser jogador de futebol pode ser o principal deles.
Mas essas crianças também passaram a enxergar a bola como um meio de gerar renda e, consequentemente, melhorar a realidade.
Desde o início deste mês, estão produzindo bolas em maior quantidade para vendê-las.
Foram incentivadas por uma fotógrafa do Rio de Janeiro, que visitou o campo de refugiados em julho deste ano como voluntária da Fraternidade Sem Fronteiras, uma organização humanitária brasileira que atua no local.
Míriam Ramalho viu a produção das bolas enquanto andava pelo campo e ficou admirada com o talento dos garotos, com idades entre 11 anos e 12 anos.
Como forma de reconhecer o trabalho e incentivar o potencial criativo que possuem, encomendou 2 bolas.
Fato que surpreendeu eles.
"Perguntei quanto era e eles levaram um tempo para dar o justo valor. Em seguida, disseram que eram duas mil kwachas (equivalente a quase R$ 6). Elogiei o trabalho, fiquei com as duas bolas e paguei com uma nota de cinco mil kwachas. Como um raio, vi os dois moleques correndo e gritando com o dinheiro na mão. Parecia que tinham ganhado a Copa do Mundo de futebol. Não consegui nem fazer mais fotos", contou.
Míriam pensou que a bola poderia gerar renda aos garotos se fosse vendida nas feiras locais.
Outros voluntários que estavam com ela no Malawi souberam da história e se uniram para ajudar as crianças a começarem empreender na produção das bolas.
Os garotos se animaram com a possibilidade e a ideia começou a ganhar forma.
Evaldo José Palatinshy, diretor da Ubuntu Nation School (escola da Fraternidade
Sem Fronteiras no Malawi), organizou uma campanha que arrecadou recursos para dar início à fabricação das bolas para venda.
"Eles vieram com as bolas. Pensei: “isso não pode parar aqui”. É um sentimento de empreendedorismo, essa vontade de sair deste lugar, a intenção de transformar essas bolas em uma fonte de receita para eles, para as famílias. Resolvemos fazer uma campanha. Vender essas bolas simbolicamente por R$ 10 e, com esse dinheiro, para montar uma estrutura para eles começarem a trabalhar nisso. A ideia é tentar melhorar a qualidade das bolas, usar um material reciclável que seja mais resistente. Vamos trabalhar nesta direção", afirmou.
No campo de refugiados Dzaleka, o ge presenciou não apenas a produção das bolas, mas também conheceu a realidade do local e viu como o esporte está inserido no dia a dia das pessoas que buscaram refúgio neste campo.
Há campeonatos locais de futebol e uma escola que incentiva a prática de diversas modalidades esportivas.
Conheça abaixo.
Por dentro do campo de refugiados: O Malawi está localizado no sudeste da África, ao lado Moçambique, Zâmbia e Tanzânia.
De acordo com o balanço de 2024 do Fundo Monetário Internacional (FMI), é o sétimo país mais pobre do mundo, com Produto Interno Bruto (PIB) per capita de 1.711,84 dólares.
A nação mais pobre do mundo, segundo o FMI, é o Sudão do Sul, também no continente africano, com PIB per capita de 455,1 dólares.
O Malawi está na centésima septuagésima segunda colocação do ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), em uma lista com 193 países da Organização das Nações Unidas (ONU).
O índice IDH do país é 0,508, classificado como baixo.
O Brasil é o octogésimo nono colocado, com índice 0,760, classificado como alto.
O campo de refugiados Dzaleka fica no distrito de Dowa, a 41 quilômetros da capital Lilongwe.
De acordo com o último balanço divulgado pela ACNUR (Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados - agência da ONU (Organização das Nações Unidas) para refugiados), de 2021, são 52 mil pessoas vivendo no local.
A maioria dos refugiados (62%) é da República Democrática do Congo, mas há também refugiados do Burundi, Ruanda, Etiópia e outros países africanos.
São pessoas que deixaram o país de origem por diferentes motivos, como risco de morte pelas guerras civis, perseguições étnicas ou religiosas.
O Globo Esporte percorreu o campo de refugiados Dzaleka. Todas as ruas são de terra e as moradias são precárias, construídas com tijolo que não dura muito tempo e vai se desfazendo com as chuvas.
As pessoas que estão no campo não podem trabalhar fora do local e a condição de vida é difícil.
A fome, por exemplo, é uma realidade para muitos.
A ONU dá apenas cinco doláres por mês para cada refugiado.
Ao mesmo tempo em que há falta de muitos itens básicos no campo, sobra potencial nas pessoas que vivem no local.
Há talentos em diversas áreas.
Alguns se destacam na música e na dança, outros na literatura, nas artes e por aí vai.
O potencial esportivo também é nítido.
Esporte no campo de refugiados: A prática do esporte ocorre em alguns espaços do campo de refugiados Dzaleka.
O futebol, pelo o que a reportagem pôde perceber, é predominante.
Mas outros esportes, como basquete e atletismo, também têm praticantes no local.
Ao andar pelo campo, é comum ver jovens praticando esportes.
Em dias da semana, garotos treinam e brincam de futebol em espaços abertos.
Aos domingos, ocorrem partidas que atraem torcedores nos campos de terra.
O ge esteve na semifinal de um torneio, disputada entre o Young Talent Football Club (equipe dos refugiados) e o Dowa Kammers (equipe malawiana).
O ingresso custava 500 kwachas (R$ 2) e o campo era cercado por uma lona para que somente os pagantes conseguissem assistir ao jogo.
A torcida que comprou o ingresso assistiu à partida muito perto do campo.
Não há arquibancada ou cadeira.
As pessoas veem o jogo em pé, próximas às 4 linhas e aos árbitros assistentes.
Algumas crianças, que não compraram ingresso, subiram em árvores ao redor do campo para assistir à partida.
No Dzaleka, há alguns moradores que eram atletas no países de origem e seguem praticando o esporte no campo de refugiados.
Alguns desses atletas ou ex-atletas compartilham o que sabem dando aulas para crianças que vivem no local.
Por exemplo, na escola Ubuntu Nation School, da Fraternidade Sem Fronteiras, alguns desses profissionais foram contratados e ensinam as modalidades esportivas para os alunos.
Incentivo à prática esportiva: A Fraternidade Sem Fronteiras é uma organização humanitária brasileira que atua no Brasil e em 5 países da África, com o intuito de auxiliar pessoas em situação de vulnerabilidade ou risco social.
O Malawi é um dos países africanos em que a entidade tem projeto e atende as pessoas que vivem no campo de refugiados Dzaleka.
A organização emprega mais de 700 pessoas refugiadas em diferentes frentes de trabalho no projeto e mantém uma escola, a Ubuntu Nation School, com salas desde o ensino infantil até o fundamental.
Há também um centro que atende crianças e jovens com deficiência, o Respire Care Center.
Ao todo, são cerca de 900 crianças atendidas, que recebem ensino e alimentação gratuitamente.
O esporte na Ubuntu Nation School ocorre com aulas de futebol, vôlei, tênis, basquete e atletismo.
A escola tem uma quadra poliesportiva, quadras de tênis, uma quadra de areia, um campo de terra para o futebol e uma pista de atletismo está em construção.
Há um projeto para a construção de uma quadra coberta, mas que depende de ajuda financeira para sair do papel.
Todo o trabalho da Fraternidade Sem Fronteiras, aliás, é mantido por meio de doações de padrinhos/madrinhas e de empresas parceiras.
"A educação física, dentro do currículo de qualquer escola que valorize a formação integral, é extremamente importante. Na Ubuntu, a educação física passa a ganhar um espaço maior a partir do quarto ano. Não é só uma questão de saúde física, mas também uma questão de saúde mental para as nossas crianças e adolescentes. São variadas atividades esportivas que podem ser inclusivas, desenvolver o talento pessoal de cada criança, a colaboratividade e também a competitividade. Tem atletismo, vôlei, basquete, futebol, tênis, vôlei de praia, corrida, tem tudo. É uma escola que coloca o corpo da criança em movimento, com muita frequência", disse o diretor da Ubuntu Nation School, Evaldo José Palatinshy.
Na semana em que teve início os Jogos Olímpicos de Paris, foi realizada na Ubuntu Nation School uma gincana com diversas modalidades, com entrega de medalhas para todos os participantes.
A profissional de educação física e voluntária Luísa Vieira, de Juiz de Fora-MG, foi uma das organizadoras da ação e destaca a importância para as crianças.
"O esporte é uma ferramenta importantíssima de transformação. Pudemos presenciar isso na Ubuntu Nation School, que tem uma estrutura maravilhosa. É um direito da criança essa oportunidade da prática esportiva, de se identificar com uma modalidade e se desenvolver no esporte e através do esporte. É acreditar nas possibilidades. Isso gera transformação", comentou.
Reportagem: Globoesporte.globo.com
Adaptação: Eduardo Oliveira
Revisão de Texto: Ana Cristina Ribeiro
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