Quem é a favor, quem é contra: entenda o debate sobre a volta do futebol brasileiro no meio da pandemia.
A dúvida continua: voltar ou não o futebol. (Foto: Globoesporte.globo.com) |
Pressão do governo federal e sugestão de data de retorno feita pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) esbarram na realidade imposta pelo novo coronavírus, e entidades não garantem realização de jogos.
A pressão do governo federal pela volta dos jogos de futebol e a sugestão da CBF do dia 17 de maio como data para o reinício dos campeonatos encontram resistência entre autoridades estaduais, do futebol e da saúde.
Com a pandemia do novo coronavírus espalhada pelo Brasil, ainda sem chegar ao pico, tudo indica que não será possível tirar tão cedo do papel ou do discurso essas ideias de retorno aos gramados.
O GloboEsporte.com consultou as 27 federações e as 27 secretarias estaduais de saúde.
As respostas variam em alguns aspectos, mas todas apresentam um ponto em comum: nenhum estado é capaz de garantir a realização de um jogo, mesmo sem torcida, na data mencionada pela CBF durante reunião com federações e clubes na semana passada.
A maioria é contra estipular uma data para a volta do futebol.
Confira a tabela completa no fim desta reportagem.
Atualização do Ministério da Saúde no fim deste sábado apresentou os seguinte números: 96.559 casos em todo o país, 6.750 óbitos.
Mais abaixo, a situação em cada estado.
O caráter difuso da propagação do novo coronavírus, os diferentes efeitos em cada região do Brasil e a maneira distinta como cada estado reage tornam praticamente impossível estruturar uma resposta uniforme ao problema.
Ao contrário: a confusão só colabora para adiar cada vez mais as tomadas de decisão.
Neste fim de semana, dos dias 2 e 3 de maio, deveria começar o Campeonato Brasileiro.
A CBF e as federações acertaram que os estaduais têm que terminar antes, justamente por serem torneios que demandam deslocamentos menores e praticamente não exigem viagens de avião.
Brasília quer, boa parte do Brasil resiste: Na noite da última quinta-feira (30), o GloboEsporte.com revelou uma carta enviada pelo Ministério da Saúde aos clubes e à CBF.
Tratava-se de uma resposta a um pedido da confederação para o ministério avaliar um protocolo médico para a volta das atividades.
O documento do ministério deixa claro, em sua conclusão, que apoia a volta do futebol.
"Reconhecendo que o futebol é uma atividade esportiva relevante no contexto brasileiro e que sua retomada pode contribuir para as medidas de redução do deslocamento social através da teletransmissão dos jogos para domicílio, este Ministério da Saúde é favorável ao retorno das atividades do futebol brasileiro, desde que atendidas todas as medidas apresentadas neste parecer".
Em outros trechos do documento, porém, o ministério faz ressalvas e afirma que não pode tomar essa decisão, que cabe a estados e municípios.
E são justamente estados e municípios os entes que mais resistem a tomar qualquer medida que possa acelerar a volta do futebol.
Após a resposta positiva com ressalvas do ministério, o secretário-geral da CBF, Walter Feldman, afirmou que a entidade consultou médicos e orientou o retorno das atividades mais no sentido de preparar o ambiente para quando houver possibilidade de voltar aos jogos do que propriamente estabelecer uma data para o reinício dos estaduais.
"Nesse momento, a retomada se dá em termos de treinamento. E nós acreditamos que, se treinarmos a partir do começo de maio, após 15 dias os atletas e as comissões técnicas estarão preparados para o retorno às competições. Mas isso vai depender da evolução da epidemia e da dinâmica do próprio processo de treinamento, então é cedo para anunciar qualquer data de retorno das competições estaduais".
Feldman acrescentou que a expectativa da CBF é completar os campeonatos estaduais e iniciar logo em seguida os nacionais, que podem ser esticados até o início de 2021.
Na última sexta-feira (1º), o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, avisou que vai endurecer as medidas de isolamento social.
Na véspera, o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, afirmou à ESPN que "pensar em futebol agora é coisa de débil mental”.
Também na quinta-feira, o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, prorrogou as medidas de isolamento social na cidade até 15 de maio.
O virologista Amilcar Tanure, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, considera precipitado um possível retorno do futebol no momento em que a pandemia ainda nem alcançou seu pico no Brasil e causa centenas de mortes diariamente.
"Mesmo que joguem em estádios vazios, eles vão ter que treinar, ir a vestiários, tomar banho... Tudo isso aumenta a chance da transmissão do vírus. Minha pergunta é: por que expor esse pessoal ao risco de se contaminar e alguns terem casos graves da doença? Será que não era melhor esperar um pouquinho? Acho a ideia muito arriscada", disse Tanure.
O exemplo de São Paulo: O estado de São Paulo teve o primeiro caso confirmado, a primeira morte e concentra o maior número de infectados.
O governo estadual decretou medidas de isolamento social até o dia 10 de maio, domingo que vem.
O governador João Dória vai anunciar os passos seguintes na próxima sexta-feira (dia 8).
Mas a escalada no número de mortes e a situação específica da capital tornam ainda mais difícil fazer previsões sobre a volta do futebol.
Nesta segunda-feira (4 de maio), a Federação Paulista de Futebol, os clubes e o infectologista David Uip vão voltar a se reunir por videoconferência para tentar elaborar um protocolo de medidas de segurança sanitária para a volta aos treinos.
Em reuniões prévias com médicos dos clubes, Uip deu dois recados que desencorajaram os dirigentes mais esperançosos com uma volta rápida das competições em São Paulo.
1) Testes disponíveis não são confiáveis: Foi praticamente derrubada a ideia de formar uma "bolha do futebol", testar todos os envolvidos na realização das partidas e, mediante os resultados negativos, apressar a realização de jogos.
Simplesmente porque os testes disponíveis ou não são confiáveis ou não geram resultados na velocidade que o futebol exige.
2) O vírus vai se espalhar pelo interior: A capital São Paulo é a cidade mais afetada pela pandemia, concentra o maior número de infectados e mortos.
Mas as estimativas do governo estadual indicam que o vírus vai rapidamente se espalhar pelo interior, que não conta com rede hospitalar tão grande quanto a da capital.
Esses dois alertas serviram para derrubar os planos de levar todos os times para uma cidade do interior e lá terminar as seis rodadas que faltam para o Campeonato Paulista da Série A1, duas da fase de grupos e mais quatro da fase mata-mata.
Em São Paulo, os quatro clubes grandes dizem estar em sintonia: a ideia de Santos, Palmeiras, Corinthians e São Paulo, segundo dirigentes, é adiantar o que for possível agora para estarem todos prontos quando for possível voltar.
O que não querem, dizem, é ser surpreendidos com uma decisão e depois perder tempo para se adaptar a ela.
Já no Rio, por exemplo, Flamengo e Vasco têm mais pressa para voltar, enquanto Fluminense e Botafogo são mais cautelosos.
Essas discordâncias entre clubes aparecem também em outros estados.
O que dizem os profissionais do futebol?
No meio do futebol, ainda são poucos os que criticam publicamente a posição do presidente Jair Bolsonaro.
Mas quem se posiciona o faz de maneira enfática.
Como Paulo Autuori, técnico do Botafogo, que declarou o seguinte em entrevista ao Esporte Espetacular:
"Me parece uma sandice falar sobre o retorno das equipes de futebol neste momento. Falta de respeito diante de tantas mortes e sofrimentos. Demonstra uma preocupante falta de conhecimento dos responsáveis a favor dessa medida sobre a complexa rotina dos treinamentos de futebol. Ausência de preocupação e de respeito aos profissionais, especialmente daqueles mais sacrificados, que não são jogadores nem membros da comissão técnica. Nós, profissionais, merecemos respeito. Querem futebol de volta? E daí? Lamento".
Ex-presidente do Botafogo e atual membro do comitê gestor do futebol do clube, Carlos Augusto Montenegro está alinhado com Autuori.
Em entrevista ao "Canal do TF", o dirigente disse cogitar que o Alvinegro não entre em campo e perca os pontos dos jogos se houver um retorno precipitado aos gramados.
"Se vier pressão de CBF, Ministério da Saúde, Federação para que se iniciem os treinos nessa situação, em que todos os técnicos dizem que pode piorar, o Botafogo não vai jogar. (...) Isso é uma estupidez, cara. "Ah, vai perder ponto". A gente perde ponto. Cada ponto que a gente perder vai ser uma vida salva".
Raí, diretor de futebol do São Paulo, fez crítica semelhante em entrevista ao GloboEsporte.com e considerou "atabalhoado" o posicionamento do presidente.
Já o presidente do Internacional, Marcelo Medeiros, deu declarações no sentido contrário.
Em entrevista para a Rádio Guaíba na sexta-feira, o dirigente afirmou:
"O jogador que não quiser jogar pede demissão. Se for aberta a possibilidade de o futebol voltar, vai cumprir o contrato que assinou".
Ante a repercussão negativa da declaração, Marcelo Medeiros amenizou o discurso e disse que a volta aos gramados só ocorrerá "se as autoridades autorizarem".
Internacional e Grêmio são os primeiros clubes a voltar aos treinos, o que deve acontecer nesta segunda-feira (4), já que a prefeitura de Porto Alegre autorizou.
Na semana passada, quando terminou o período de férias coletivas concedido pela maioria dos clubes e federações, teve início uma onda de demissões e cortes de salário que atingiu até os clubes mais bem estruturados financeiramente, como Flamengo e Palmeiras.
Por isso mesmo há muita gente no meio que não vê a hora de a bola voltar a rolar.
Pelos mais diversos motivos, sobretudo financeiros, há uma grande quantidade de jogadores, treinadores e funcionários de clubes e federações interessados na volta imediata dos jogos e das competições.
Entre os jogadores de clubes menores, com calendário ameaçado pelo risco de os estaduais não serem concluídos, a ideia de voltar aos treinos e jogos tem mais apoio.
Na outra ponta, sobretudo entre atletas com passagens recentes pela Europa, é mais comum a defesa do adiamento dos treinos e jogos.
A Fenapaf (Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol) não tem posição sobre a retomada do futebol.
Veja a situação de cada estado (números da última atualização do Ministério da Saúde):
REGIÃO SUL
Rio Grande do Sul: Federação Gaúcha aguarda autorização da secretaria de Saúde.
Reunião na terça-feira (5 de maio) com o governador vai tratar do assunto.
Como Porto Alegre liberou, Grêmio e Inter voltam a treinar na segunda-feira (4 de maio).
Estado tem 1.619 casos e 62 mortes.
Santa Catarina: Federação Catarinense queria a volta dos jogos no dia 16 de maio.
Secretaria Estadual de Saúde vetou e não estipulou data.
2.346 casos e 52 mortes
Paraná: Federação Paranaense queria a volta dos jogos no dia 16 de maio.
Secretaria Estadual de Saúde não estipulou data para volta do futebol.
1.492 casos e 90 mortes.
REGIÃO SUDESTE
São Paulo: Federação Paulista aguarda autorização da Secretaria de Saúde.
Reunião marcada para segunda-feira (4 de maio) para tratar do assunto.
Secretaria Estadual de Saúde não estipula data para volta do futebol.
31.174 casos e 2.586 mortes.
Minas Gerais
Federação Mineira aguarda autorização da Secretaria de Saúde, e presidente diz que previsão otimista é para fim de junho.
Secretaria Estadual de Saúde oficialmente não estipulou data.
2.023 casos e 88 mortes.
Espírito Santo
Federação Capixaba aguarda autorização da Secretaria de Saúde.
Secretaria Estadual de Saúde sinalizou que volta do futebol está atrelada à volta das aulas, ainda sem data.
2.985 casos e 103 mortes.
Rio de Janeiro: Federação Carioca aguarda autorização da Secretaria de Saúde.
Decreto de isolamento estendido até 11 de maio.
Na capital, até 15 de maio.
10.546 casos e 971 mortes.
REGIÃO CENTRO-OESTE
Goiás: Clubes adiaram reapresentação para o dia 11 de maio, mas devem adiar de novo.
Secretaria Estadual de Saúde não estipulou data.
825 casos e 30 mortes.
Distrito Federal: Federação aguarda liberação da secretaria estadual de saúde.
Secretaria Estadual de Saúde decretou isolamento até o dia 11 de maio.
1.566 casos e 31 mortes.
Mato Grosso do Sul: Federação aguarda liberação da Secretaria de Saúde.
Secretaria Estadual de Saúde não estipulou data.
266 casos e 9 mortes.
Mato Grosso: Apenas o Cuiabá anunciou a volta dos jogadores para segunda (dia 4).
O decreto de quarentena do Governo do Estado ainda está em vigor.
331 casos e 12 mortes.
REGIÃO NORDESTE
Maranhão: Federação Maranhense considera impossível volta do campeonato em maio.
Secretaria Estadual de Saúde não prevê data para a volta do futebol.
3.805 casos e 224 mortes.
Piauí: Federação Piauiense só considera retomar campeonato após liberação da Secretária de Saúde.
Secretaria Estadual de Saúde prolongou isolamento social até 21 de maio.
665 casos e 26 mortes.
Ceará: Federação Cearense aguarda autorização da Secretaria de Saúde.
Secretaria Estadual de Saúde não prevê data para a volta do futebol.
Isolamento social está decretado até 5 de maio e será ampliado.
8.309 casos e 638 mortes.
Pernambuco: Federação Pernambucana é contra a volta no dia 17 de maio e não estipula data.
Secretaria Estadual de Saúde não prevê data para a volta do futebol.
8.145 casos e 628 mortes.
Alagoas: Federação Alagoana não estipula data para volta dos jogos.
Secretaria Estadual de Saúde é contra a retomada e não estipula data para volta do futebol.
1.372 casos e 58 mortes.
Bahia: Federação Baiana considera inviável voltar no dia 17 de maio.
Governo do Estado prorrogou até 18 de maio proibição de jogos de futebol.
3.315 casos e 123 mortes.
Paraíba: Federação paraibana aguarda liberação da Secretaria de Saúde.
Governo do Estado prorrogou isolamento social até 18 de maio.
Secretaria Estadual de Saúde não prevê data para volta do futebol.
1.034 casos e 74 mortes.
Sergipe: Federação pretende retornar estadual na segunda quinzena de junho.
Clubes querem retomar treinos até segunda semana de maio.
Governo ainda não deu aval sobre retorno dos clubes.
601 casos e 14 mortes.
Rio Grande do Norte: Não há data para retorno do estadual.
Treinos só voltam com autorização das autoridade.
Decreto do governo vai até 5 de maio.
1.366 casos e 59 mortes.
REGIÃO NORTE
Pará: Federação Paraense é contra a volta do campeonato em maio.
Governo estadual cogita tomar medidas mais drásticas de isolamento social.
3.460 casos e 273 mortes.
Rondônia: Campeonato Rondoniense só será retomado em novembro.
653 casos e 23 mortes.
Acre: Decreto do governo só admite possível retorno do futebol após 31 de maio.
553 casos e 22 mortes.
Amapá: Federação mantém paralisação por tempo indeterminado.
Retorno do futebol apenas no segundo semestre, prevê a FAF (Federação Amapaense de Futebol).
Clubes se reúnem em junho para avaliar retorno em agosto
1.187 casos e 40 mortes.
Amazonas: Federação decidiu pelo encerramento da competição estadual.
6.062 casos e 501 mortes.
Tocantins: Federação aguarda a CBF sem previsão de retorno de jogos.
191 casos e 4 mortes.
Roraima: Federação não se pronunciou sobre volta do futebol.
Secretaria de Saúde diz que não recomenda o retorno do futebol e afirma que isso só será possível após estabilização da curva de casos de infectados.
668 casos e 9 mortes.
*Colaboraram Gabriel Duarte, Guilherme Macedo, Sidney Magno Novo, Lucas Bubols, Robson Boamorte, Fernando Araújo, Fernando Vasconcelos, João Pedro Godoy, Daniel Borges, Marcelo Cardoso, Silvio Lima, Duaine Rodrigues, Ivonisio Lacerda, Lucas Luckezie, Rodrigo Juarez, Pedro Cruz, Tamires Fukutani, Thiago Barbosa, Victor Mélo, Elton de Castro, Expedito Madruga, Augusto César Gomes, Thaís Jorge, Renan Morais e Matheus Sampaio.
Reportagem: Globoesporte.globo.com
Adaptação: Eduardo Oliveira
Revisão de Texto: Ana Cristina Ribeiro
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