A crise começa por baixo: clubes pequenos sofrem com pandemia e pedem volta do futebol.
Em apuros, times de menor investimento convivem com atrasos salariais e reforçam Flamengo, Vasco e federação no coro pelo retorno: "As pessoas estão passando necessidade".
Volta Redonda e Vasco em ação pelo Campeonato Carioca. (Foto: André Moreira/Volta Redonda) |
O Rio de Janeiro ainda vive o momento de pico da pandemia do novo coronavírus.
Na última terça-feira (26), foi registrado o recorde de mortes provocadas pelo vírus, com 256 mortes em 24 horas.
Entrementes, no momento há uma divisão no futebol do estado entre os que pedem a introdução dos procedimentos para que a bola volte a rolar em breve e os que acreditam que não é o momento de discutir essa possibilidade.
Fluminense e Botafogo são os que se opõem à ideia do retorno, enquanto Flamengo, Vasco e federação assumem as rédeas do outro grupo, apoiados pelos 12 clubes pequenos que disputam o Campeonato Carioca.
Ainda que num papel secundário, America, Americano, Bangu, Boavista, Cabofriense, Friburguense, Macaé, Madureira, Nova Iguaçu, Portuguesa, Resende e Volta Redonda engrossam o coro pela volta do futebol.
E fazem isso sobretudo porque, vulneráveis, são os mais afetados financeiramente diante do atual panorama.
A crise sempre começa por baixo.
Fonte significativa de renda para esse grupo, os direitos de transmissão voltarão a ser pagos quando o campeonato for retomado.
A Cabofriense é um caso simbólico.
O clube pagou apenas os valores de CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) do mês de março e está devendo o salário integral de abril.
A partir da sexta-feira da semana que vem, dia 5 de junho, passa a dever também o de maio.
O dinheiro faz falta.
Um dos jogadores ouvidos pela reportagem conta que, bem no início da pandemia, tanto ele quanto a esposa sentiram fortes sintomas do coronavírus, mas não conseguiram fazer os testes.
Portanto, até hoje não sabem se contraíram o vírus ou não.
Embora o clube tenha liberado o elenco, ele segue em Cabo Frio e não quer voltar para casa em Minas Gerais por receio de infectar os parentes.
Na tentativa de garantir o direito dos atletas, o sindicato da classe recomendou à FERJ (Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro) nesta quinta-feira (28) que punisse com perda de pontos no Carioca as equipes que não comprovarem o pagamento dos salários ao fim do campeonato.
A federação ainda não se manifestou.
"Está todo mundo com problema", afirma João Paulo Magalhães, gestor do Boavista.
"As receitas estão paralisadas, e as despesas continuam ativas. Você tem que pagar a folha dos funcionários, a manutenção do estádio, cortar gramado, tem os compromissos com o Profut, impostos, encargos... Isso cria um desequilíbrio muito grande. Nenhum time do Brasil consegue suportar isso por tanto tempo", completa ele.
Receitas do futebol congeladas...
A preocupação também bate na porta daqueles que não dependem exclusivamente dos direitos de transmissão.
Volta Redonda e Boavista, há tempos, são exemplo de austeridade entre os pequenos do Rio de Janeiro, de modo que vê-los em apuros é um sinal alarmante.
Diferente da Cabofriense, o Voltaço tem os salários de jogadores e funcionários em dia.
Como disputa a Série C do Brasileirão, recebeu R$ 200 mil do auxílio emergencial da CBF (Confederação Brasileira de Futebol).
Só que os patrocinadores do clube já sinalizaram dificuldade para arcar com seus compromissos nos próximos meses, o principal investidor, que estampa a parte da frente da camisa, é um site de apostas que naturalmente tem deixado de faturar com a ausência de jogos.
Vice-presidente da equipe, Flávio Horta acredita que, embora o Rio de Janeiro tenha registrado 223 mortes nas últimas 24 horas e alcançado 5.079 óbitos no total, o protocolo elaborado por clubes e federação garante a segurança dos envolvidos no futebol e precisa ser levado a sério.
"O campeonato parou no dia 16 de março. Desde esse dia, o que mais se ouviu foi: nós voltaremos quando as autoridades permitirem. As pessoas que não têm conhecimento técnico estão desprestigiando um comitê científico, de pessoas que estudaram para isso. Acho que poderia haver um pouco mais de boa vontade com isso", diz Horta, que acrescenta:
"Eu não vou voltar a treinar porque o Flamengo voltou. Mas se as autoridades falarem que pode, não são Botafogo e Fluminense que vão dizer que não posso".
João Paulo Magalhães, do Boavista, acrescenta que todas as possibilidades de receita do clube estão congeladas por conta da paralisação.
"Todos os clubes de futebol perderam a principal fonte de renda, que são os recursos oriundos dos direitos de transmissão. Com isso, você deixa de receber dos patrocinadores, porque o patrocinador paga para estar na TV. Quando você não joga, você também não tem renda de bilheteria. E a outra possibilidade de renda seria fazer a venda de algum atleta ou emprestá-lo. Com o futebol fechado, essa chance não existe, esclarece ele, que conclui que o clube de Saquarema enfrenta "problemas gravíssimos".
... e receitas fora do futebol, também: O Madureira se diferencia dos casos anteriores porque um pedaço considerável de suas receitas não sai do futebol, mas do aluguel de imóveis.
O clube tem só no bairro de Madureira três grandes imóveis: uma loja de departamentos funciona em um, um supermercado funciona em outro e o terceiro é uma galeria com 31 lojas.
Desses, está aberto somente o supermercado, por se tratar de serviço essencial.
De acordo com o presidente Elias Duba, houve uma queda de 90% no faturamento dos imóveis.
"Acho justo. Se o comércio está fechado, como que vão pagar?", questiona ele.
O Madureira perdeu mais de 20 jogadores, além do treinador e toda sua comissão, cujos contratos foram encerrados de dois meses para cá.
"Até o momento, eu consegui arcar com todos os compromissos, as despesas fixas, salários de funcionários e atletas... Até agora eu consegui. Não sei daqui para frente, se não entrar a cota da TV e o comércio não abrir, como vai ficar a situação do Madureira. Todo mundo está passando por um grande aperto", explica Duba, que tem 70 anos, é hipertenso, diabético e que, portanto, sequer tem saído de casa.
A 25 quilômetros de distância de Conselheiro Galvão, a Portuguesa da Ilha do Governador vive aperto financeiro parecido porque o clube não pode abrir as portas para os seus aproximadamente 12 mil sócios, o que significa queda na renda das mensalidades.
Marcelo Barros, presidente da Lusa, calcula que R$ 150 mil deixam de entrar nos cofres por mês dessa maneira.
A solução da Portuguesa foi reduzir salários de jogadores e funcionários, conforme prevê a MP aprovada pelo governo na tentativa de frear o desemprego durante a pandemia.
Ainda assim, o clube, que vai disputar a Série D do Brasileirão, só conseguiu arcar com os vencimentos de maio porque recebeu R$ 120 mil do auxílio emergencial da CBF.
"Vou ser bem sincero, o panorama é complicado. Até aqui conseguimos segurar. Mas se passarmos mais um mês sem entrar nada, vai virar uma situação de calamidade", acredita o presidente Marcelo Barros.
"O meu telefone não para, eu vejo pessoas dizendo 'pelo amor de Deus'... passando necessidade, sabe?", completa.
Gerente de futebol do America, Marco Antônio Teixeira diz que o clube consegue proporcionar apenas as condições para seus atletas "sobreviverem".
Fora da fase principal do Carioca e, portanto, sem direito à cota de transmissão, o Mequinha tem vivido à base do dinheiro que recebe de investidores em permuta pelo terreno na Campos Sales onde um shopping está sendo construído, ainda assim, esse valor caiu pela metade desde o início da pandemia.
Por isso, o America está devendo um mês de salário aos jogadores.
"A gente conseguiu dar uma ajuda para os atletas manterem as condições básicas - conta o diretor do America. Com isso eles conseguem, pelo menos, sobreviver".
Reportagem: Globoesporte.globo.com
Adaptação: Eduardo Oliveira
Revisão de Texto: Ana Cristina Ribeiro
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