sexta-feira, 5 de junho de 2020

Democracia dentro do esporte

Esporte pela Democracia: atletas e ex-atletas criam grupo que propõe lutar por uma sociedade mais justa e igualitária.

Nomes de diversas modalidades reforçam o discurso antirracista, antifascista, contra a violência e o autoritarismo.
Joanna maranhão, da natação é uma das atletas que aderiram ao manifesto. (Foto: Globoesporte.globo.com)
Com a proposta de trazer para dentro do esporte um debate sobre os mais variados temas da sociedade e dar voz à luta pelos direitos do cenário esportivo, atletas e ex-atletas estão se reunindo em um grupo batizado como Esporte pela Democracia. 

São pessoas ligadas ao futebol, às modalidades olímpicas, jornalistas e simpatizantes que, segundo eles, estão "afinados com a democracia, os direitos humanos e civis, respeito à vida e à diversidade".

A princípio, eles estão se juntando num grupo de aplicativo de mensagens, e o momento é de alinhar as propostas para definir o que de fato será feito nos próximos passos. 

Até o fechamento dessa reportagem, a lista continha 90 nomes confirmados (veja no final da matéria).

A ideia de formar o grupo surgiu há aproximadamente uma semana, quando diversas classes da sociedade passaram a se manifestar sobre temas sociais, o "#Juntos" reuniu artistas, intelectuais e jornalistas, enquanto os advogados, por exemplo, lançaram o movimento "#Basta". 

Enxergou-se a necessidade de dar voz, também, ao esporte nesse sentido.

"Eu fui inserida no grupo, que a princípio era um grupo pequeno. No primeiro momento, escrevemos um texto, mas, depois, entendemos que deveria haver um protagonismo da negritude. O esporte tem que estar muito alinhado a essas pautas, temos que parar de dissociar uma coisa da outra. Então, decidimos empregar a questão do racismo no texto, o grupo foi ficando um pouco maior e, a partir do primeiro manifesto, a procura ficou ainda maior", explica a nadadora Joanna Maranhão.

O manifesto a que Joanna Maranhão se refere, cuja íntegra você pode ver mais abaixo, diz respeito principalmente às causas antirracistas, antifascista, contra a violência e o autoritarismo como um todo. 

"Queremos voltar a nos sentir orgulhosos de nosso país, representando em Copas do Mundo, Olimpíadas e em outras competições internacionais o legado de nossa cultura, nossa história, nosso povo", diz um trecho do manifesto.

"As pessoas que entrarem no grupo entram pensando em como divergir com afeto. Se não soubermos dialogar as diferenças no grupo, como vamos falar para fora? Todo mundo tem a liberdade de sair quando quiser e não vamos pressionar atletas para que venham para esse manifesto", acrescenta Joanna. 

"A gente está buscando essa voz coletiva", acrescenta a ex-jogadora de vôlei Ana Moser.

"Começou com atletas, aí rapidamente começou entrar gente da cultura, jornalistas e, hoje, tem uma diversidade no grupo. A gente está muito focado, nesse primeiro momento, em dar voz às questões e às pessoas para tomar uma atitude antirracista. Nós somos antirracistas. A gente está, enfim, fazendo postagens coletivas, buscando dar uma visibilidade, deixando esse assunto latente, dar discussão. E aprendendo como a gente pode contribuir para melhorar esse quadro e essa realidade", completa.

Do futebol, também participam Igor Julião, lateral do Fluminense, Lucas Santos, ex-Vasco que, atualmente, defende o CSKA Moscou, e Raí, dirigente do São Paulo, entre outros. 

O técnico do Bahia, Roger Machado, que também assinou, falou sobre o manifesto.

"O objetivo da formação desse grupo democrático é reunir personalidades do esporte e fora dele para demostrar a inconformidade e indignação com o que está acontecendo no Brasil e no mundo. Surgiu neste momento porque estamos vendo uma escalada cada vez maior contra a democracia com a tentativa de desconstrução e descontinuidade dos poucos direitos civis tão arduamente conquistados", afirmou o treinador.

Leia a íntegra do manifesto:

"Nós, atletas, ex-atletas e profissionais ligados ao esporte, cidadãos brasileiros antes de tudo, afinados com o pensamento de diversas categorias e nos juntando às vozes que pactuam com a democracia, os direitos humanos e civis, respeito à vida e à diversidade, estamos aqui unidos em nome daquilo que sempre acreditamos e praticamos em nossas profissões e deve se estender sem restrições ao exercício cotidiano: o direito supremo à vida, a uma sociedade justa e igualitária, ANTIRRACISTA, o respeito das individualidades e o valor do coletivo em nome do bem-estar e da dignidade para todos. 

A tentativa contínua de destruição da democracia se mostra de forma clara e direta por inúmeras medidas autoritárias. 

Testemunhamos diariamente desrespeito à constituição, autoritarismo, uso desvirtuado da política em benefício de poucos, ataque às instituições democráticas, ameaças ditatoriais, cerceamento da liberdade de imprensa, destruição das políticas de proteção ao meio ambiente, desrespeito aos povos indígenas e à história dos povos originários, ataque às minorias políticas e sociais. 

Há ainda amplo desprezo por educação, cultura, ciência, pilares considerados parâmetros de dignidade em todo o mundo.

Somando-se a esse cenário e à postura inaceitáveis, em um contexto de pandemia, a maioria da população brasileira está largada à própria sorte, especialmente a parte mais vulnerável social e economicamente, em total desrespeito às recomendações sanitárias básicas por parte de quem deveria dar o exemplo à população.

Enquanto tudo isso acontece, o número de mortos pelo vírus aumenta diariamente e o sistema de saúde colapsa, seguimos testemunhando o fruto da violência cotidiana que sistematicamente atinge as populações negras, periféricas, pobres, alvos preferenciais dos sistemas de poder. 

A banalização da vida negra soma historicamente milhares e milhares de mortos por violência, discriminação, práticas racistas diárias bem diante dos nossos olhos.

Como atletas e ex-atletas, aprendemos a importância de nos posicionarmos contra arbitrariedades e injustiças, não tolerando comportamentos que desrespeitam o bem-estar coletivo e advogam em nome de uma visão do mundo limitada e revoltante. 

Aprendemos o respeito absoluto pelo outro, que apenas na solidariedade existe jogo. 

Na história de nosso país, muitos ídolos nacionais vieram exatamente do esporte e seguem sendo referências de postura diante da vida e da humanidade. 

Muitos são negros, oriundos de periferias e comunidades, lugares para os quais o esporte muitas vezes representa esperança de futuro, meio de existência e de alcance de condições básicas de dignidade. 

Pelo nosso repúdio integral ao racismo, à violência, e nosso desejo de voltar a crer num futuro possível e igualitário, hoje nos colocamos diante de questões políticas importantes. 

Como representar um país em que práticas autoritárias se tornam cotidianas? 

Em que a diversidade cultural, uma de nossas maiores riquezas, é frontalmente atacada? 

Como nos comportar diante do que temos vivido nos últimos tempos, da triste imagem nacional passada para o mundo?

Queremos voltar a nos sentir orgulhosos de nosso país, representando em Copas do Mundo, Olimpíadas e outras competições internacionais o legado de nossa cultura, nossa história, nosso povo. 

Queremos ver o Brasil voltar a crescer, com jovens tendo acesso a educação, trabalho, moradia, vivendo numa sociedade consciente e justa. 

Por isso, não podemos nos silenciar diante daquilo que testemunhamos. 

Precisamos colocar aqui a nossa voz e a nossa indignação, como cidadãos, convocando o legado de honestidade e bravura do esporte em nome do país que queremos e merecemos como Nação: um Brasil justo, igualitário, progressista e, acima de tudo, pactuado com a democracia e o respeito absoluto por TODAS as vidas.

O sonho de todo atleta é representar o seu país. Estamos então aqui hoje para reconvocar a lucidez, diante da questão inadiável: que Brasil é esse que queremos trazer na camisa e chamar de nosso?".

Confira a lista atualizada com os membros do movimento:

Afonsinho – futebol

Aline da Silva Ferreira - luta olímpica

Ana Barbachan - vela

Ana Moser - vôlei

Ana Mota - basquete

Ana Thaís Matos – jornalista

André Abujamra - músico, ator

André Brasil – atleta paralímpico

Andre Rizek – jornalista

Arilson Silva - treinador de Natação

Ben-Hur Correia - jornalista

Caetano Veloso – músico

Carlos Eugênio Simon – futebol

Carolina Solberg- vôlei de praia

Casagrande- futebol

Célia Xacriabá - professora do Movimento Indígena Brasileiro

Claudio Adão - futebol

Claúdio Arreguy – jornalista

Coletivo 342Artes - cultura

Dado Villa Lobos – músico

Diego Moraes - jornalista

Diogo Silva – taekwondo

Eduardo Monsanto –jornalista

Fabi Alvim - volei

Fê Garay - volei

Felipe Neto - youtuber

Fernando Calazans- jornalista

Fernando Salem - músico/ roteirista

Flávio Gomes - jornalista

Grafite – futebol

Gustavinho Lima - basquete

Gustavo Kuerten - tênis

Heitor Shimbo - esgrima

Igor Julião - futebol

Isabel - vôlei

Jamil Chade - jornalista

Joanna Maranhão - natação

José Trajano - jornalismo

Juca Kfouri - jornalista

Julyana Travaglia - jornalista

Juninho pernambucano- futebol

Karen Harley - montadora

Leiloca Neves - astróloga e cantora

Lucas Santos - futebol

Luciano Chequini - treinador de utebol

Luciano correa - judô

Lúcio de Castro – jornalista

Luís Augusto Simon (Menon) – jornalista

Luiz Fernando Rodrigues – esgrima

Maike Weber – futebol feminino

Maju Herklotz - esgrima

Marcelo Bratke - pianista e maestro

Marcelo Rubens Paiva - escritor, cineasta e jornalista

Marcos Bocatto - futebol

Maria Clara Salgado- vôlei de praia

Maria Rita Rodrigues - esgrima

Mariannita Luzzati - artista visual

Mauro Cezar Pereira – jornalista

Moara Passoni - cineasta

Natália Andrade - jornalista

Paula Lavigne – produtora

Pedro Rivera - estudioso da política no esporte

Pedro Solberg - vôlei de praia

Petra Costa - cineasta

Raí - futebol

Raul Plasmann - futebol

Reinaldo – futebol

Ricardo Leyser - administrador

Rio Nando - futebol

Roberto Salim – jornalista

Roger Machado - técnico de futebol

Ronaldão - futebol

Sálvio Spinola - futebol

Samhia Simão – futebol feminino

Sandro Ricci – ex-árbitro e comentarista

Sebastião Arcanjo - futebol

Serginho – vôlei

Stepan Nercessian - ator

Taimar Marinho - treinador de futebol

Tayla Santos - futebol feminino

Taynah Espinoza - jornalista

Thiago Lacerda - ator

Thomas Koch - tênis

Vanessa Gonçalves - jornalista

Vinicius Cascone - advogado

Washington Olivetto - publicitário

William Zeytounlian - esgrima

Wladimir - ex-atleta


Yanne Marques – pentatlo


Zé Luiz - jornalista


Reportagem: Globoesporte.globo.com

Adaptação: Eduardo Oliveira

Revisão de Texto: Ana Cristina Ribeiro

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