domingo, 28 de junho de 2020

Torcidas no estádio?!?!

A volta aos estádios: pesquisador e atletas relatam reflexos da Covid-19 no futebol.
Torcida da Atalanta na partida contra o Valencia, em Milão. (Foto: Daniele Mascolo/Reuters)
Brasileiros que atuam na Europa falam sobre rotina de jogos sem a presença de torcida.

Abraçar alguém, gritar na hora do gol ou beber em um jogo de futebol. 

Atitudes que sempre foram comuns e seguras agora são responsáveis por deixar o estádio um lugar potencialmente perigoso. 

Como imaginar uma partida com distanciamento, máscaras, sem gritos e sem abraços? 

O futebol e os torcedores não ficarão ilesos, e os efeitos serão sentidos no esporte.

"É uma situação nova, uma situação inédita. Qualquer um que fala que sabe o que está fazendo, está enganado. Não existe precedente pro que a gente está passando aqui", afirmou o pesquisador Átila Iamarino.

O primeiro fator de risco é a proximidade.

"É um vírus que é transmitido nessas condições em que as pessoas falam mais alto, produzem mais saliva ou respiram mais intensamente. como no caso do esporte, na gritaria, na comemoração. o grande risco do estádio é a intensidade que essas pessoas vão falar e produzir essa saliva, e produzir essas gotículas, e segundo, a chance de essas pessoas estarem muito próximas, que é onde essas pessoas vão passar e circular por aí", declarou o pesquisador.

Os cerca de 95 minutos de cada partida, para ciência, são muito longos. 

Quanto maior o tempo de duração, maior a chance de transmissão do vírus. 

Outro fator que dificulta ainda mais a realização de partidas de futebol com público é o discurso comum dos últimos três meses, o de evitar aglomerações.

Foi assim, com grande aglomeração, que alguns jogos de futebol impulsionaram a transmissão do vírus na Europa. 

Um estudo de pesquisadores da Inglaterra apontou que o jogo entre Liverpool e Atlético de Madrid, no dia 11 de março, ocasionou 41 mortes pela Covid-19. 

As vítimas não estavam, necessariamente, entre os 52 mil torcedores presentes, mas o contágio teve relação direta com quem estava no estádio.

Na Itália, Atalanta e Valência, no dia 19 de fevereiro, reuniu mais de 45 mil pessoas no estádio San Siro, em Milão. 

O jogo foi considerado uma "bomba biológica" para as autoridades.

Até a data da partida a Itália não registrava nenhum caso em Bérgamo ou Milão. 

Um mês depois, foram mais de 3.800 casos em Bérgamo e cerca de cinco mil em Milão. 

Na Espanha, o Valência informou após o jogo que 35% do elenco e comissão técnica do clube haviam sido infectados.

No estádio de futebol, milhares de pessoas compartilham banheiros, catracas e corrimãos. 

Você pode até usar máscara e álcool em gel, mas a segurança de todos depende muito do cuidado com o ambiente. 

As superfícies contaminadas também são fatores de risco.

"A gente tem higienização das superfícies comuns, foi tudo planejado para as pessoas não colocarem a mão nas coisas o tempo todo, não preciso mais da catraca em que todo mundo tem que por a mão, o bilhete para entrar, esse tipo de adequação pode ser bem importante", destacou o pesquisador.

Apesar de todo risco de contaminação, nem todos países proibiram as torcidas. 

Na Sérvia, o estádio ainda é local de aglomeração. 

No último fim de semana, 18 mil torcedores viram o Estrela Vermelha conquistar o título em Belgrado.

Na segunda-feira (22) a conta chegou. Cinco jogadores testaram positivo para a Covid-19. Exequiel Videla esteve na arquibancada e ficou assustado com o que viu e viveu.

"Eu entrei, fiz o procedimento regular, comprei meu tíquete. Tem o gel na entrada, mas no interior do estádio não tem distanciamento claro. Você pode ficar perto de outras pessoas, tem livre movimentação pelo estádio. Falamos do Estrela Vermelha, no setor norte da galeria eles ficam todos grudados, com a pirotecnia, os cânticos... Nesse sentido eles não respeitaram muito a norma".

Grandes ligas da Europa como as de Inglaterra, Espanha, Alemanha e Itália estão em andamento, mas sem torcida. 

Isso muda o ambiente para quem está dentro de campo. 

Atletas brasileiros que atuam fora do Brasil relataram a diferença para as partidas sem a presença de torcedores.

"Quando a gente joga em casa, a nossa torcida faz um barulho ensurdecedor e a gente é bem acostumado com esse clima. e isso que a gente sentiu mais falta", disse o brasileiro Raffael, do Borussia Monchengladbach.

O zagueiro Diego Carlos, do Sevillla, da Espanha, e o meia Fred, do Manchester United, da Inglaterra, também falaram sobre o atual momento do futebol europeu.

"Nunca havia jogado sem torcida em nenhum estádio desde que virei profissional. é uma sensação complicada porque, querendo ou não, os torcedores nos ajudam muito dentro do jogo, nos apoiam, nos motivam", falou Diego.

"Pelo menos até o fim da temporada temos que nos reacostumar com isso e saber lidar dentro de campo. as vezes você pode pensar que é um jogo amistoso ali que é um jogo mais tranquilo, mas realmente é um jogo de campeonato então você tem que dar o máximo independente de ter torcida ou não", completou Fred.

Sem os torcedores, o mando de campo perdeu força. Na volta do Campeonato Alemão, os visitantes passaram a ganhar mais jogos. 

Até a trigésima terceira rodada, os mandantes venceram 20 e os visitantes 33 vezes. 

Foram 19 empates. Antes da pandemia, a média de vitórias dos visitantes era de 35%. 

Agora, sem torcida, subiu para 45%.

"Sem torcida, é totalmente diferente. a equipe que joga em casa sente mais esse peso de estar no estádio, ver a torcida. acaba que os times visitantes saem ganhando com isso e consequentemente vai ter mais vitórias das equipes que vão jogar fora", afirmou Fred.

A Universidade Federal do Paraná divulgou divulgou um relatório respondendo questionamentos. Afinal, quando é que os torcedores vão conseguir retornar aos estádios de futebol? 

Segundo os pesquisadores, sem um medicamento eficaz ou acesso a uma vacina, não vai dar pra torcer antes.

"Um campo de futebol, com 30, 40 mil pessoas, não tem como você fazer o isolamento e a torcida ficar longe. por mais que nós queiramos fazer o isolamento dentro do estádio, é muito difícil. com a torcida mesmo, empurrando seus times, os jogadores, isso só depois da vacina", afirmou o professor Fernando Mezzadri.

"Voltar a torcer como torcia antes, isso só na presença de uma vacina. Isso com certeza", completou Átila Iamarino.

A pesquisa da UFPR (Universidade Federal do Paraná) prevê a volta do público aos estádios apenas quando a situação do Brasil estiver normalizada, o que pode representar um período de espera ainda maior. 

Apesar do estudo realizado pela universidade, essa não é a ideia da Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro.

Reportagem: Globoesporte.globo.com

Adaptação: Eduardo Oliveira

Revisão de Texto: Ana Cristina Ribeiro

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