Conheça o Lorca Fútbol Club, clube da Quarta divisão da Espanha no qual a torcida escala o time via aplicativo.
O elenco atual do Lorca FC em treino antes da determinação do isolamento social, em março. (Foto: Reprodução / Instagram Lorca FC) |
No Brasil, clube de Riachão do Jacuípe, na Bahia, tentou usar sistema semelhante há oito anos e desistiu; técnico do momento no país, Jorge Jesus vê iniciativa como amadorismo e brincadeira.
Fãs de futebol no mundo todo não veem a hora de a bola voltar a rolar.
Mas os torcedores de um clube da quarta divisão da Espanha têm um motivo extra para ansiarem o fim da quarentena no esporte.
No Lorca Fútbol Club eles têm o poder de escalar o time através de um aplicativo no celular.
A cidade de Lorca tem menos de 100 mil habitantes e fica no sudoeste da Espanha.
Abriga um castelo quase milenar e ruas medievais.
No que diz respeito ao esporte, a modernidade chegou com tudo quando Roberto Torres comprou o clube, em 2018.
À época ele iniciou uma reestruturação do time, que havia descido da segunda para a quarta divisão nacional e acumulava dívidas.
Uma vez com a situação minimamente estabilizada, Roberto começou a tocar o projeto do aplicativo.
Foram sete meses de desenvolvimento até o lançamento em janeiro de 2020.
"O treinador tem as ideias dele. Tudo bem. Mas quando você escuta as ideias de cinco mil pessoas sobre o time é possível ver algo que o treinador não esteja vendo. (...) A escalação final é uma escolha pela maioria dos votos dos usuários. O técnico não pode ignorar isso. É preciso escutá-los", disse Roberto.
A iniciativa aumentou o engajamento da torcida e fez o número de sócio-torcedores disparar.
Mas foi difícil encontrar um técnico que se dispusesse a trabalhar com este sistema.
Walter Pandiani, que estava no comando quando o app foi disponibilizado, se demitiu.
Walter Caprile foi contrato para substituí-lo, mas se arrependeu e foi embora antes mesmo de estrear.
O jovem Victor Dus foi quem aceitou o desafio.
Apesar de não poder interferir na decisão final da torcida, é ele quem mune os fãs com informações sobre o desempenho de cada atleta.
Ao final de cada treinamento ele avalia o rendimento de cada jogador na atividade.
"Nós damos notas mais altas aos jogadores que achamos que têm de jogar... Aos que achamos que não devem jogar damos notas mais baixas, os que treinaram pior… Ao final, nesse pouco tempo aqui, percebi que o torcedor sempre escolhe quem nós escolhemos. Claro, porque no fim das contas se eu dou 80% de produtividade pra um jogador e 60% pra outro, você como torcedor quer ganhar, e o de 80% vai ser escalado", disse Dus.
Campanhas e rivais infiltrados: O aplicativo é pago, mas não há uma restrição quanto a quem pode acessá-lo.
Assim, dois problemas podem surgir.
O primeiro é a realização de campanhas de algum jogador para que amigos e/ou familiares o ajudem a seguir como titular.
O outro é a interferência de torcedores adversários para promover alguma escalação prejudicial ao Lorca Fútbol Club.
"Eu nunca votei em mim, não... Jamais votaria em mim. Prefiro que as pessoas votem em mim do que eu em mim mesmo", disse o atacante Mathias Pogba, irmão mais velho do meio-campo da seleção francesa e do Manchester United Paul Pogba.
Os torcedores do Ciudad de Murcia, time que enfrentou o Lorca Fútbol Club no período em que a reportagem do Esporte Espetacular esteva na cidade, garantem não interferir no aplicativo.
E Roberto Torres, o presidente, garante que o sistema tem formas de prevenir sugestões que soem bizarras.
"Sim, os adversários conseguem entrar no nosso aplicativo… Mas ainda que você seja um torcedor desses que falam “vou botar o goleiro deles de atacante”, a sua felicidade vai durar pouco. O algoritmo que temos anula essas opiniões incoerentes, irracionais".
Muito antes do Lorca Fútbol Club testar o sistema, a ideia dividia opiniões em Riachão do Jacuípe, cidade com pouco mais de 30 mil habitantes a 186 km de Salvador.
Há oito anos o Jacuipense testou o sistema. Hoje presidente do Conselho Deliberativo, Felipe Sales era o presidente do clube à época e foi o responsável por implementar a novidade.
"De início foi uma coisa que realmente fez com que (o torcedor) se aproximasse ainda mais do clube. Adoravam, né, porque escolhem o time que você escalava, ia pontuando aí você conseguia a cada rodada fazer uma pontuação, recebia brinde do clube, era chaveiro, camisa".
Os torcedores não acreditavam no sistema a princípio, mas foram se convencendo quando perceberam que a escalação na prática refletia aquilo que haviam sugerido através do celular, como lembra o torcedor Rui Mascarenhas.
"Nunca vi alguém falar mal. Vi muita gente desconfiada, no início todo mundo achava que ninguém nem ia olhar para o aplicativo. Só que ao final apareciam os times relacionados pelo aplicativo e eles iam aos 90%, chegando quase aos 100% o time que a torcida escolhia".
O uso do aplicativo, no entanto, caiu em desuso.
Um dos maiores medos era que apostas ilegais influenciassem os votos.
Na visão do técnico mais prestigiado do futebol brasileiro na atualidade, o uso de uma tecnologia dessas é absurdo e reflete amadorismo.
Para o português Jorge Jesus, atual campeão do Campeonato Brasileiro e da Taça Libertadores da América com o Flamengo, a iniciativa do Lorca Fútbol Club não condiz com o profissionalismo necessário para se conquistar títulos em 2020.
"Não há hipótese. Nem precisa ser da torcida. Até a sua equipe técnica, se falar para a sua equipe técnica "faz aí", "escolhe aí”... Todos fazem diferente, todos fazem diferente, é normal. Portanto isso nunca será possível. Isso é do contexto da equipe, não sei se é amadora, mas deve ser amadora, porque se fosse profissional isso nunca poderia acontecer e portanto isso é mais uma questão de brincadeira no bom sentido. Nunca vai acontecer no futebol profissional, nunca, zero".
Por enquanto os resultados mantêm o uso do aplicativo em alta no Lorca Fútbol Club.
Nos sete jogos disputados desde a implementação foram quatro vitórias, dois empates e apenas uma derrota.
Resta acompanhar o que o futuro reserva ao clube e à tecnologia após a pandemia.
Reportagem: Globoesporte.globo.com
Adaptação: Eduardo Oliveira
Revisão de Texto: Ana Cristina Ribeiro
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