quinta-feira, 19 de março de 2020

Danos irreversíveis

Pandemia de coronavírus provoca reflexão sobre o gigantismo e a ganância no futebol e no esporte.
Olimpíada de Tóquio em risco. (Foto: Globoesporte.globo.com)
Uma reflexão sobre o universo esportivo e como ele impacta na sociedade.

Situações extremas provocam profundas reflexões. 

A pandemia do novo coronavírus apresenta excelente oportunidade para refletir sobre o universo esportivo. 

O esporte competitivo de alto nível faz parte da indústria do entretenimento, com investimentos, lucros, e custos, bilionários.

Eventos esportivos transmitidos ao vivo são as maiores audiências de TV no mundo. 

Porém, ganância e gigantismo ameaçam criar uma bolha que, se estourar, provocará danos irreversíveis.

É hora de questionar se não estão empurrando o esporte ao seu limite por querer aumentar o tamanho das fatias sem pensar nos ingredientes e no sabor do bolo?

Há movimentos críticos ao gigantismo de Olimpíadas e Copa do Mundo, os dois maiores eventos esportivos do planeta. 

Organizá-los custa cada vez mais caro, com exigências absurdas e uma gigantesca teia de corrupção que podem contribuir para o colapso econômico de um País, como ocorreu com a Grécia em 2004.

O Mundial de Futebol e os Jogos Olímpicos nos legam memórias eternas, mas deixam um rastro bilionário de gastos cujo retorno é bastante questionável. 

Ao ponto de algumas cidades e países não quererem mais organizá-los.

O futebol vive há tempos uma guerra política de bastidores que opõe interesses de clubes aos de seleções. 

Clubes alimentam e sustentam o dia a dia do futebol. 

Investem para contratar e revelar jogadores, montar bons times e não gostam quando são obrigados a cedê-los para seleções nacionais por longos períodos.

Houve um tempo em que as seleções eram obrigatórias na valorização do jogador. 

Hoje nem tanto. Messi e Cristiano Ronaldo seriam Messi e Cristiano Ronaldo mesmo se jamais tivessem atuado pelas seleções de seus países. 

A FIFA, historicamente, nunca deu muita bola para o futebol de clubes. 

Até que encontrou uma rival política de peso na UEFA (União das Associações Europeia de Futebol) , que fez da antiga Copa dos Campeões da Europa o sucesso planetário chamado Champions League e transformou a Euro num torneio que rivaliza com a Copa do Mundo.

A UEFA quer que seus afiliados joguem cada vez mais entre eles e para isso criou a Liga das Nações. 

Até hoje a FIFA bate cabeça tentando criar uma competição de clubes que seja tão atraente para lucrar com os maiores craques em campo sob sua bandeira. 

Ainda não conseguiu. 

A resposta é inchar a Copa do Mundo, a partir das Eliminatórias (que já são a Copa), para encurtar os calendários sobre os quais ela não tem receita.

Certamente não é o espírito esportivo que move as peças desse tabuleiro bilionário.

Em âmbito continental e nacional, a disputa também é intensa. 

No Brasil, Federações querem preservar território e datas para seus estaduais, na maioria das vezes por motivações políticas. 

A CBF (Confederação Brasileira de Futebol) criou fogo amigo ao supervalorizar a Copa do Brasil e torná-la mais atraente, financeiramente, que o Campeonato Brasileiro.

A Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol), se deixarem, banaliza a Copa América ao ponto de torná-la semestral. 

A Taça Libertadores da América de 2020 cresce em número de clubes sem contrapartida técnica. 

Há tantos jogos e torneios que falta temporada. 

Cai a qualidade do espetáculo, jogadores são expostos a lesões e, como quase sempre acontece, nunca são consultados.

Os países mais boleiros da Europa têm Liga, Copa da Liga, Copa da Confederação, Copa do Rei, da Rainha, Copa disso e daquilo. 

É a disputa entre clubes e federações. 

Como classe, jogadores de futebol estão muito longe da união que represente sua importância.

Lembremos que apenas 1% dos profissionais do futebol alcança o sucesso financeiro. 

Além da diferença abissal entre os ganhos dos homens e das mulheres.

O esporte chamado olímpico também viveu explosão financeira sem precedentes nas últimas décadas. 

No alto escalão do Comitê Olímpico Internacional (COI) há uma ala conservadora que defende a redução no número de esportes nos Jogos. 

Outra ala propõe a adesão de novos esportes para atrair público jovem e tem saído vencedora. 

Vide a inclusão de skate e surfe no programa olímpico.

Antes da disparada no custo dos direitos de transmissão por TV, a partir dos anos 1990, os Jogos continentais e os Mundiais da maioria dos esportes que não dependem de índices individuais eram os principais acessos às Olimpíadas. 

No caso brasileiro, os Jogos Pan-americanos tinham importância vital. Um belo dia, as federações mundiais de alguns esportes decidiram virar o jogo. 

Vieram Pré-Olímpicos e classificatórios às pencas, reduzindo a importância esportiva e comercial dos Jogos Continentais e inflacionando o calendário.

O tênis olímpico não seduz mais os grandes jogadores e jogadoras. 

Natação e atletismo têm torneios que são mais atraentes para os atletas, financeiramente e esportivamente, do que um Pan, um Europeu ou Asiático. 

As seletivas da natação norte-americana são um evento de grande prestígio e interesse televisivo. 

Basquete e voleibol organizam vários pré-olímpicos, vendendo caro seus direitos de transmissão e, não raro, entregando jogos ruins e ginásios vazios.

Quando o dirigente iugoslavo Boris Stankovic costurou o acordo entre Federação Internacional de Basquete e a NBA que permitiu a participação dos jogadores de basquete profissionais americanos nas Olimpíadas, a partir de 1992, o bom e velho esporte da bola ao cesto virou uma máquina internacional de fazer dinheiro e jogos e mais jogos.

Com uma recessão mundial que se avizinha, certamente potencializada pela pandemia, o esporte será afetado. 

Que seja a oportunidade para racionalizar calendários, oferecer mais qualidade, preservar estrelas e garantir o interesse pelos grandes espetáculos.

Reportagem: Globoesporte.globo.com

Adaptação: Eduardo Oliveira

Revisão de Texto: Ana Cristina Ribeiro

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