domingo, 22 de março de 2020

50 anos...

Há 50 anos, Zagallo estreava como técnico da seleção brasileira.
Zagallo durante o treinamento da seleção brasileira. (Foto: Globoesporte.globo.com)
Contra o Chile, no Morumbi, o treinador faz mudanças, de nomes e na forma de jogar, na equipe que vinha sendo escalada por João Saldanha e consegue uma goleada (5 a 0).

Zagallo é o técnico que mais comandou a seleção brasileira. 

Em 139 partidas (somando jogos oficiais e amistosos), ele escalou os jogadores que iriam vestir a camisa do Brasil, difícil achar algum profissional que enalteceu o uniforme do time brasileiro mais do que ele.

Mas sua estreia aconteceu em um momento de turbulência, logo após da demissão de João Saldanha e faltando 73 dias para a estreia brasileira no Mundial do México.

Sua contratação foi feita no dia 18 de março, um dia após a demissão de Saldanha, Dino Sani e Oto Glória também foram cotados para o cargo, mas o treinador contou com apoio de dois membros influentes da comissão técnica: Admildo Chirol (preparador físico) e Lídio Toledo (médico), que trabalhavam com ele também no Botafogo. 

No dia seguinte, com 38 anos, já fazia o seu primeiro coletivo no Maracanã.

Ao assumir o cargo, o treinador fez cinco novas convocações: Félix (goleiro), Leônidas (zagueiro), Roberto Miranda, Dario e Arílson (atacantes), o que trouxe insegurança aos jogadores convocados por Saldanha, pois seriam necessários cortes.

Trazendo dois centroavantes (Roberto e Dario), Zagallo “consertava” o que ele dizia faltar no time de Saldanha: um homem fixo na área, ou, como ele gostava de dizer um Vavá, em uma referência ao centroavante do Brasil nas campanhas do bicampeonato da Copa do Mundo (1958/1962) e que era companheiro de time de Zagallo nessas conquistas. 

E, que, de certa forma, a dupla Tostão e Pelé não atuaria junto (ainda bem que o técnico mudou de opinião até a estreia do Mundial)

Depois de pouco de tempo de trabalho, Zagallo escalou o time para sua primeira partida com: Leão; Carlos Alberto, Brito, Joel Camargo e Marco Antônio; Clodoaldo, Gérson e Paulo Cézar Lima; Jairzinho, Roberto Miranda e Pelé.

Aqui há já há mudanças claras, principalmente no esquema, que passa a ser o 4-3-3, com Paulo Cézar Lima atuando no meio, quando o time não tinha a bola, trabalho bem parecido com o próprio Zagallo fez em boa parte de sua carreira. 

Carlos Alberto voltava a ser capitão da equipe, nos primeiros jogos de preparação, o posto ficara com Piazza, que com Zagallo, nesse início de trabalho perdeu o lugar para Clodoaldo.

Com Zagallo no comando, o Brasil voltou a ter como base as equipes de Santos e Botafogo. 

Nesse primeiro time dele havia entre os titulares quatro jogadores do Santos (Carlos Alberto, Joel Camargo, Clodoaldo e Pelé) e três do Botafogo (Paulo Cézar Lima, Jairzinho, Roberto Miranda), que poderiam ser quatro, pois Gérson tinha acabado de se transferir do time carioca para o São Paulo.

Diante de 101.902 pagantes, a “nova seleção” não teve problemas para bater Chile por 5 a 0, portanto a frase “Está em crise,chama o Chile” já faz um tempinho que pode ser utilizada, sendo que quatro tentos saíram no primeiro tempo. 

Roberto Miranda, dando razão ao treinador, fez dois, Pelé também marcou duas vezes e Gérson anotou o outro.

Facilitou a goleada do time brasileiro, o fato do desfalcado time chileno, quatro dias depois, no Maracanã, com um time modificado, os chilenos perderam apenas por 2 a 1, e também expulsão de um jogador adversário logo aos 3 minutos do primeiro tempo, que reclamou muito após a marcação do primeiro gol brasileiro, marcado por Roberto Miranda. 

Confira cenas da partida abaixo.

Mesmo assim, o Brasil mostrou um time mais organizado, do que aquele que vinha atuando com Saldanha. 

Quando perdia a bola, o time recuava e ficava mais compacto. 

Para não ficar tão vulnerável na defesa, Zagallo pediu para que os laterais não fossem tanto ao ataque e ao mesmo tempo, principalmente na etapa inicial.

Na estreia de Zagallo, houve uma campanha para que a torcida aplaudisse e apoiasse Pelé, depois dos problemas que ele teria tido com Saldanha e também inúmeras vaias para Paulo Cézar Lima (o que se tornaria comum nas oportunidades que ele atuou na capital paulista), pois para sua entrada no time foi retirado o ponta Edu, ídolo do Santos.

O time que jogou contra o Chile na estreia de Zagallo como técnico, foi muito diferente daquele que conquistou o tri. 

Aqui, vamos contando a forma como aquele que é apontado o melhor time da história das Copas foi sendo formado.

Há 50 anos, o Brasil perdia o primeiro amistoso de preparação para a Copa de 1970.

Bem longe do futebol mostrado nas eliminatórias em 1969, o time perdeu (0 a 2) para a Argentina, que nem para o Mundial do México tinha se classificado. 

Resultado mostrou que havia divergências na comissão técnica e aumentou a pressão, da imprensa, dirigentes, membros do governo militar e outros treinadores, sobre o técnico João Saldanha.

Em 4 de março de 1970, Porto Alegre se tornou a capital do nosso futebol. 

Toda a torcida brasileira esperava o primeiro amistoso das “feras do Saldanha” na preparação para a Copa do México, diante da Argentina, que nem participaria do Mundial de 1970, pois foi eliminada pelo Peru, em plena La Bombonera,

A expectativa era grande. Pois, depois do fracasso na Copa de 1966, quando não passamos da primeira fase e tivemos duas derrotas em três partidas, e uma série de resultados negativos em excursões pela a Europa, o comentarista João Saldanha (que havia trabalhado como treinador no Botafogo) foi convidado em 1969 para comandar a seleção nas Eliminatórias para a Copa de 1970.

Com personalidade ele logo na sua primeira convocação já mostrou quem seria os 11 titulares e os 11 reservas. 

Assim, o Brasil fez uma campanha excepcional, vencendo todas as partidas, seis jogos, marcando 23 gols e só levando dois tentos. 

E fez que a seleção recuperasse a confiança da torcida brasileira.

Para essa primeira partida visando a Copa de 1970, o Brasil tinha algumas mudanças. Titulares nas eliminatórias, Félix (goleiro), Djalma Dias (zagueiro) e Rildo (lateral-esquerdo) não estavam entres os selecionados e Tostão, destaque e artilheiro das eliminatórias, mesmo treinando, ainda não estava liberado para atuar, pois ainda se recuperava de um deslocamento de retina.

Com Ado; Carlos Alberto Torres, Baldochi, Fontana e Marco Antônio; Piazza (que foi substituído por Zé Carlos), Gérson e Dirceu Lopes; Jairzinho, Pelé e Edu, o Brasil entrou no gramado do Beira-Rio.

O novo estádio do Internacional tinha quase 70 mil presentes, inclusive o então mandatário do país, no período de maior repressão da ditadura militar (1964-1985) , o Gal. Emílio Garrastazu Médici, que não morria de amores por João Saldanha, que nunca escondeu ser comunista, comandando a seleção.

Já técnico argentino, Juan José Pizzutti, escalou: Agustín Cejas; Oscar Malbernat, Roberto Perfumo, Roberto Rogel, Rubén Díaz; Norberto Madurga, Omar Pastoriza, Miguel Brindisi; Marcos Conigliaro, Rodolfo Fischer, Oscar Más.

Alguns jogadores desse time fizeram sucesso atuando no Brasil. São os casos de Cejas (Santos), Perfurmo (Cruzeiro), Mardurga (Palmeiras) e Fischer (Botafogo).

Durante os 90 minutos, o time de Saldanha não foi nem sombra daquele que brilhou nas eliminatórias. 

Sem a inteligência e os deslocamentos de Tostão, o ataque brasileiro foi dominado pelo sistema defensivo argentino. Pelé e Dirceu Lopes (que herdou a vaga de Tostão) não conseguiram fazer o papel feito pelo desfalque.

Assim, as chances do Brasil na partida surgiram em chutes de longa distância, defendidos com segurança por Cejas, em uma ou outra jogada individual de Pelé ou nas jogadas de velocidade com Jairzinho pela direita, principalmente na etapa inicial.

Mas, mesmo tendo uma postura mais defensiva, a Argentina teve sempre o domínio do jogo, principalmente no setor central, quando sempre tinha um jogador livre para armar as jogadas ofensivas e contra-ataques.

Com Pelé e Dirceu Lopes atuando mais como atacantes, os outros dois homens de meio do Brasil ficavam muito distantes. 

O volante Piazza atuava bem recuado, tentando proteger a zaga que tinha muitos novatos e Gerson, mesmo tentando armar o time estava sempre marcado. 

Também é preciso dizer que o time brasileiro, ainda no início de preparação, mostrou um preparo físico bem pior do que adversário.

Assim, os dois tentos argentinos saíram na etapa final.

O primeiro saiu em uma armadilha que já estava armada desde o início do jogo. 

O Brasil estava no campo de ataque, perdeu a bola, o rebote ficou com a Argentina, que iniciou um contra-ataque. 

Depois de um lançamento longo, Baldochi furou ao tentar cortar, mas errou, e a bola sobrou para o rápido Oscar Más, que tocou na saída de Ado (que já tinha feito boas intervenções na partida). 

Eram 23 minutos do segundo tempo.

Perdendo, o Brasil tentou sair ainda mais para o jogo, mas o panorama era o mesmo: o time não criava e ainda era ameaçado em contra-ataques.

Cinco minutos depois de abertura do placar, aconteceu o segundo gol argentino. Em uma cobrança de falta rasteira, Ado não conseguiu segurar (e nem jogar a bola para escanteio) e no rebote, o atacante Marcos Conigliaro, sozinho, empurrou para as redes.

Até o final da partida, restou ao público vaiar o time de Saldanha. Também não faltaram críticas.

O técnico argentino, Juan José Pizzutti, foi direto. 

“O Brasil mostrou uma retaguarda sem consistência, sem senso de cobertura e sem pernas. Ideal para qualquer ataque adversário”. 

“Está tudo errado. Felizmente estamos apenas no início”, disse o meia Gérson, um dos líderes da equipe.

Saldanha reconheceu o domínio da Argentina em sua coluna no jornal O Globo no dia seguinte da derrota: "Penso que a vantagem de dois gols foi normal numa partida de domínio nítido”.

O nosso treinador também sinalizou que era necessário que o time se defendesse com oito jogadores e que não seria possível jogar uma Copa do Mundo no 4-2-4 (praticamente o esquema que o Brasil usou na partida, pois Pelé e Dirceu Lopes não recuaram para ajudar Piazza e Gérson).

Quatro dias depois, no Maracanã, o Brasil venceria a Argentina (2 a 1), sem jogar bem outra vez, mas com um golaço do Pelé (lances dessa vitória você pode ver aqui.

Mas, o resultado em Porto Alegre, mostrou que a seleção tinha perdido o encanto mostrado em 1969 e apresentava problemas de relacionamento na comissão técnica, com Saldanha visivelmente incomodado com alguns de seus “parceiros”.

A derrota também aumentou a pressão de imprensa, torcedores, técnicos, dirigentes e membros do governo questionando (alguns querendo a cabeça mesmo) o trabalho de Saldanha. Foi o começo de uma crise que duraria até o dia 17 março - o que será tema do nosso próximo post falando dos 50 anos do tri.

Há 50 anos, João Saldanha deixava o cargo de técnico da seleção.

Em 17 de março de 1970, exatos 78 dias antes da estreia da seleção brasileira na Copa do México, o técnico que classificou a seleção para aquele Mundial era demitido.

Ainda hoje, exatos 50 anos depois muito se fala da demissão de João Saldanha do cargo de técnico da seleção que se preparava para disputar a Copa de 1970. 

Penso o que fez o então presidente da CBD (Confederação Brasileira de Desportos), João Havelange, dissolver a comissão técnica da seleção brasileira, em uma reunião no dia 17 de março, não tem um único motivo específico e sim uma série de fatos e acontecimentos.

Começa pelo fato de João Saldanha ter sérios problemas de relacionamentos com membros da sua comissão técnica. 

Era público que o preparador físico Admildo Chirol e o médico Lídio de Toledo não nutriam nenhuma confiança no trabalho do treinador. 

[Depois da demissão de Saldanha, eles continuaram na equipe do treinador Zagallo]. 

Chirol declarava que Saldanha não sabia nada de preparação física e o médico não se preocupou em passar as informações ao treinador relativas aos cortes dos jogadores Scalla (zagueiro) e Toninho Guerreiro (atacante). 

Não faltavam atritos com Antônio do Passo, chefe da comissão técnica e dirigente da CBD.

Também a comissão técnica passou a ter vários militares, que para alguns, só serviam para espionar as atividades treinador (comunista confesso) e passar informações para quem comandava o país, inclusive Gal. 

Emílio Garrastazu Médici, que gostava de futebol e era visto nos estádios, com seu radinho de pilha.

Aí surge a história de que o mandatário teria pedido o atacante Dario na seleção e Saldanha respondido “o presidente escala o ministério dele que eu escalo meu time”.

Lógico que a preferência de Médici por Dario fez com que várias pessoas, para agradar quem estava no poder, tentassem convencer Saldanha da convocação do centroavante. 

Inclusive o corte do Toninho Guerreiro serviria para isso. 

Mas o técnico chamou Zé Carlos, meia do Cruzeiro, para o lugar do atacante afastado.

A chamada de Dario também diminuiria a pressão sobre João Havelange, pois não faltavam rumores que o governo faria uma intervenção na CBD. 

As desavenças entre os membros comissão técnica também deixava a impressão que faltava comando.

Também sobravam críticas de treinadores e da imprensa ao trabalho de Saldanha. 

Os maus desempenhos em amistosos e treinos, a seleção perdeu para a Argentina e empatou com o Bangu, traziam mais críticas e João Saldanha se mostrava mais irritado. 

Inclusive foi até a concentração do Flamengo para uma visita de “cortesia” (e armada) ao técnico Yustrich, que não estava no local, que era um dos mais críticos ao seu trabalho.

Por fim, alguns jogadores passaram a questionar o treinador. 

No segundo jogo contra a Argentina, no Maracanã, depois de uma opinião de Pelé, que Saldanha não concordou, ele disse aos jogadores “Faça como acharem melhor” e o Brasil acabou vencendo a partida.

No final da passagem de Saldanha pela seleção houve outras polêmicas entre o camisa 10 e o treinador. 

Como o caso em que Pelé não estava enxergando direito e que o Rei estava desgastado fisicamente. 

No dia, uma terça-feira, horas antes de ser demitido, Saldanha anunciou o time que jogaria um amistoso contra o Chile e entre os onze não estava Pelé.

Talvez, a melhor frase para definir a passagem de João Saldanha como técnico da seleção e a sua importância do seu papel na equipe que conquistou o tri é essa do jornalista e escritor João Máximo (no livro João Saldanha, da coleção chamada “Perfis do Rio”.

“A certeza que nos fica é mesmo que, com o Saldanha de 1970 e sem o João de 1969, o Brasil não teria trazido do México, e para sempre, a taça de ouro de seus sonhos."

A partir de agora, as histórias dos 50 anos do tricampeonato passam a ter Zagallo como treinador.

Reportagem: Globoesporte.globo.com

Adaptação: Eduardo Oliveira

Revisão de Texto: Ana Cristina Ribeiro

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