terça-feira, 7 de abril de 2020

Quem vai perder a briga?

Opinião: não haverá calendário para adequar todos os interesses do futebol brasileiro. 

A questão agora é quem vai perder a briga.
Futebol brasileiro em discussão. (Foto: Marcelolopes10.com.br)
Mesmo que o futebol volte em 1º de julho, não há mais tempo de concluir todas as competições. 

E a solução – por depender de política e dinheiro em várias esferas, não será nada fácil de achar.

Secretário-geral da CBF fala sobre ajuda financeira aos clubes: "Pela preservação do sistema do futebol".

Talvez o futebol brasileiro ainda não tenha se dado conta, ou só não queira admitir publicamente. 

A chance de adequar o calendário para conciliar interesses de todas as partes no mercado é quase nula.

Vamos admitir que os campeonatos sejam recomeçados em 1º de julho, quarta-feira. 

Esta decisão está condicionada a um zilhão de variáveis.

Haverá vacina para Covid-19? 

Provavelmente não. 

Haverá remédio testado e com eficácia aprovada por autoridades? 

Talvez. 

Valerá o risco para atletas, comissões técnicas e público mesmo que haja medicação disponível? 

Possivelmente não. 

Mas deixemos todas as incertezas da saúde pública de lado só por um instante para um exercício lógico.

Se os campeonatos forem recomeçados em 1º de julho e houver partidas toda quarta, todo domingo, até 20 de dezembro, existirão 50 datas disponíveis para futebol. 

Considerando que não faremos ninguém trabalhar no Natal, nem avançaremos sobre o calendário de 2021.

Precisaríamos, hoje, de 61 datas para fechar a temporada:

6 partidas em estaduais

11 partidas na Copa do Brasil

38 partidas no Campeonato Brasileiro

6 partidas na Taça Libertadores da América (a considerar que brasileiros chegarão somente às oitavas de final, situação altamente improvável).

A menos que a humanidade consiga superar todas as expectativas científicas no combate ao coronavírus, de modo que o futebol seja recomeçado antes de 1º de julho, acabou a dúvida sobre a possibilidade de recomeçar e concluir todas as competições como foram previstas.

Muitos sonham com uma solução "fácil" para o problema. 

Por que não adequar o nosso calendário ao europeu? 

Ou cancelar os estaduais? 

Ou, então, por que não mudar a fórmula do Brasileirão para que ele acabe mais rápido? 

Adoramos mata-mata! 

Na realidade, nada disso é fácil.

E se mudarmos a fórmula do Brasileiro?

Para a emissora que comprou os direitos de transmissão, nomeadamente, no caso do futebol brasileiro, Globo e Turner, o produto Campeonato Brasileiro tinha a previsão de 380 partidas.

Isso é importante para a venda de pay-per-view e da assinatura de TV fechada direto ao consumidor. 

Também importa para anunciantes que compraram pacotes de publicidade envolvendo a exibição na aberta.

Reduzir a quantidade de jogos, seja qual for a fórmula escolhida, altera o produto que foi vendido para essas emissoras. 

Pode haver redução do valor pago pelo campeonato. 

Hipótese que não interessa aos clubes.

Para o clube que contava com 38 partidas em seu calendário, sendo 19 delas em casa, alterar a fórmula impacta a entrega que estava prevista para patrocinadores. 

Também reduz a quantidade de partidas feitas como mandante, portanto prejudica bilheterias e sócios-torcedores.

E se cancelarmos os estaduais?

A lógica é a mesma. 

Em campeonatos em que há direitos de transmissão valiosos, casos de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, o produto foi vendido para a televisão com certa quantidade de partidas. 

Reduzir a entrega a emissoras pode reduzir valores pagos.

A considerar que, unidos, os clubes considerados pequenos também têm voz. 

Não por acaso, oito dirigentes consultados pelo jornalista Gustavo Garcia, no GloboEsporte.com, manifestaram-se pela continuidade do estadual do Rio de Janeiro. 

Eles precisam da conclusão do Carioca para ganhar dinheiro e sobreviver à temporada.

Com o agravante político de que o estadual é a razão da existência da federação. 

As entidades ficam com parte dos direitos de transmissão, parte das bilheterias. 

Encerrar os campeonatos por aqui significaria causar prejuízos às federações. 

E a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) representa a soma de todas elas.

Ok, e se os estaduais forem concluídos sem a participação dos considerados grandes? 

Ou com times formados por categorias de base? 

Os torcedores não dariam bola para as competições. 

E o produto perderia valor em seus direitos de transmissão, patrocínios, bilheterias.

E se adequarmos ao calendário europeu?

Se a mudança fosse feita de maneira calculada, talvez funcionasse. 

O futebol brasileiro ainda precisa medir com um pouco mais de precisão os prós e contras da adequação, que faria campeonatos começarem em agosto e terminarem em maio do ano seguinte. 

Mesmo que se decidisse pela alteração, no entanto, não dá para fazê-la de repente.

Clubes fizeram seus orçamentos considerando um cenário de janeiro a dezembro. 

Há um fluxo de recebíveis (transmissão, patrocínio, bilheteria, sócio-torcedor, atletas), e há um fluxo de pagamentos (salários de atletas, treinadores e funcionários, custos administrativos).

Não dá para mudar essa estrutura financeira de um mês para o outro. 

A televisão pagaria em 2020 por um campeonato que só terminaria em maio de 2021? 

Certamente, não. 

O atual modelo de distribuição do dinheiro prevê que 30% são pagos apenas no fim da competição, com base na tabela, enquanto 30% são repassados mensalmente conforme a quantidade de jogos transmitidos. 

Só 40% são fixos e adiantados.

Nenhum clube da primeira divisão nacional sobrevive sem 60% da cota de televisão prevista para 2020. 

Não há como reduzir custos drasticamente, de um mês para outro, a fim de adequar o planejamento a um calendário europeu. 

Talvez no futuro. 

Hoje, não.

O que diz a CBF?

Não haverá como conciliar interesses de todas as partes. 

Não se trata de contar datas no calendário e apertar competições. 

Mesmo num cenário razoavelmente otimista, pois ninguém garante que será seguro para a população e para os clubes haver campeonatos de futebol em 1º de julho, esta é uma questão que precisa considerar dinheiro e política.

A questão não é mais se haverá como executar todas as competições tal como elas tinham sido vendidas para emissoras e patrocinadores, mas quem sairá menos prejudicado na inevitável adequação do calendário. 

Clubes grandes? 

Pequenos? 

Federações?

Walter Feldman, secretário-geral da CBF, recebeu esta pergunta no Bem, Amigos. 

Tendo em mente que hoje é impossível dar uma data para o recomeço das competições, mas sabendo do entrave em termos de calendário, a preferência da confederação está do lado de quem?

O secretário disse que se trata de uma "escolha de Sofia", expressão que remete ao romance do escritor William Styron, publicado em 1979, em que uma polonesa em um campo de concentração é forçada por um nazista sádico a escolher qual de suas duas crianças executar.

Feldman não respondeu no Bem, Amigos diretamente quem tem a preferência da CBF, assista à resposta na íntegra no vídeo através deste link.


Em vez disso, apenas ressaltou que a entidade tem a responsabilidade de preservar todo o sistema do futebol.

"A CBF ela é responsável pela organização do sistema do futebol. São 700 clubes inscritos, 557 em atividade, é uma cadeia produtiva que envolve mais de 53 bilhões de reais, 0,72% do PIB brasileiro. São centenas de milhares de jogadores profissionais de todas as áreas, trabalhadores de todos os tipos. Que faz com que nós da CBF articulados com as federações e os clubes compomos um sistema. Esse sistema tem que ser preservado a todo custo mesmo em momentos de crise dramática como a que estamos vivendo", diz Walter Feldman.

Reportagem: Blog do Rodrigo Capelo

Adaptação: Eduardo Oliveira

Revisão de Texto: Ana Cristina Ribeiro

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