Na pior das hipóteses, as Olimpíadas podem ser realizadas sem público, diz especialista.
Em entrevista exclusiva, espanhol Emilio Fernández Peña, diretor do Centro de Estudos Olímpicos da Universidade de Barcelona, analisa as consequências do adiamento dos Jogos de Tóquio.
O espanhol Emilio Fernández Peña, diretor do Centro de Estudos Olímpicos da Universidade Autônoma de Barcelona. (Foto: Arquivo pessoal) |
Enquanto o COI (Comitê Olímpico Internacional) e o Comitê Organizador de Tóquio 2020 discutem quem pagará o custo extra de cerca de R$ 14 milhões que o adiamento das Olimpíadas causará nas contas japonesas, especialistas de todo o mundo tentam entender quais as consequências, não apenas esportivas-- que a pandemia do novo coronavírus trará para os Jogos.
Um destes principais nomes é o do espanhol Emilio Fernández Peña.
Professor de comunicação e diretor do Centro de Estudos Olímpicos da UAB (Universidade Autônoma de Barcelona), ele dirige o Instituto de Pesquisa Esportiva, que ele acaba de fundar e ao qual estão vinculados 60 pesquisadores de 15 departamentos da UAB, um dos mais importantes da Europa.
Nessa entrevista exclusiva ao Globoesporte.com, Peña fala com preocupação sobre as consequências econômicas para a organização das Olimpíadas de Tóquio, mas acredita que o encanto global pelos Jogos não vai diminuir mesmo em meio aos problemas decorrentes da pandemia de Covid-19.
Pesquisador e consultor no COI, o espanhol explica como funciona esse quebra-cabeça olímpico, agora em tempos de crise.
E comenta inclusive sobre a possibilidade de, se não houver uma vacina, por exemplo, de as Olimpíadas serem realizadas sem torcedores em Tóquio.
Pode ser que, na pior das hipóteses, os Jogos tenham que ser realizados sem público, não quero pensar nisso, mas realmente o público importante não é local, mas global (...), e os Jogos os terão porque, como disse o (ex) presidente (do COI) Jacques Rogge, a Olimpíada realizada principalmente na televisão, e eu acrescentaria na mídia digital.
É possível avaliar, hoje, o tamanho das perdas econômicas do COI e de Tóquio com o adiamento dos Jogos até 2021?
Além de finanças, existem outras perdas relevantes?
É muito difícil avaliar perdas.
Nesse exato momento, pode não haver uma perspectiva suficiente, mas será vista em breve.
É óbvio que, para o comitê organizador de Tóquio 2020, haverá perdas devido à necessidade de adiar os Jogos.
Pense que toda a infra-estrutura, estádios ou a Vila Olímpica devem ficar de pé por mais um ano do que o planejado e estar preparado para a competição.
Centenas de pessoas contratadas pelo comitê organizador e que seriam demitidas após os Jogos, muitas delas, nem todas, devem continuar sendo contratadas por mais um ano.
Por outro lado, o centro de televisão e mídia estará no Centro de Convenções e Exposições de Tóquio.
Este verão foi reservado para o evento olímpico e paralímpico e, no ano seguinte, certamente, na época dos Jogos, havia sido reservado para outras exposições, feiras ou eventos. Isso significará perdas para o comitê organizador.
Por outro lado, do ponto de vista do Comitê Olímpico Internacional, os programas de patrocínio são elaborados para um ciclo olímpico normal, de quatro anos e não de cinco.
Será necessário estender o prazo do acordo de parceria com as grandes marcas, os grandes patrocinadores, mais um ano, o que significa que o próximo período será de 3 anos.
Por sua vez, os direitos audiovisuais, que juntamente com o patrocínio representam cerca de 90% da renda da família olímpica, também sofrem um revés.
Se tivesse sido um cancelamento, o seguro teria coberto as perdas para as partes interessadas.
Parece que isso não é tão claro no caso do atraso de um ano.
Por outro lado, atletas olímpicos de federações esportivas não massivas terão problemas com seus contratos de patrocínio individual este ano, já que muitas das competições não serão capazes de ocorrer.
As federações olímpicas também encontrarão problemas em conseguir receber seus contratos de patrocínio.
É claro que as oportunidades para recuperar o investimento retornarão no próximo ano em 2021, mas a incerteza de uma crise econômica que já está presente aqui e da qual o mundo não se recuperará nos próximos 12 meses na sua totalidade está introduzida nesse cenário.
Isso reduzirá os mercados publicitários, sem dúvida, também o mercado consumidor e o mercado de trabalho.
Haverá mais desemprego que não se recuperará em todo o mundo em todos esses meses.
No entanto, não há crise de demanda, porque há agora e em um ano haverá uma demanda global por um evento esportivo de interesse como os Jogos Olímpicos.
A solidez e o sucesso econômico do projeto olímpico foram baseados em um mundo de certezas, pensando em longo prazo, e agora essa grande crise global em saúde e economia está movendo todos nós no terreno em que pisamos
Por outro lado, se os Jogos ocorrem normalmente em 2021, é possível dizer que Tóquio será o local dos Jogos Olímpicos mais importantes de todos os tempos?
Por quê?
Neste ponto, não há incerteza quanto à capacidade do Japão de organizar excelentes Jogos de todas as formas: do ponto de vista organizacional, a inovação tecnológica e sua capacidade de se recuperar coletivamente de situações difíceis.
Sim, é verdade que, especialmente desde os anos 80 e a profissionalização da gestão de marketing dos Jogos, todas as peças do quebra-cabeça tradicionalmente se encaixam com precisão.
Por exemplo, alguns contratos de direitos audiovisuais que foram firmados a longo prazo e muito antes dos locais dos Jogos serem conhecidos.
Atualmente, o Comitê Olímpico Internacional mantém contrato com a NBC até 2032, no valor de US$ 7,566 trilhões desde 2014.
Isso deu uma enorme estabilidade ao financiamento do projeto olímpico.
A solidez e o sucesso econômico do projeto olímpico foram baseados em um mundo de certezas, pensando em longo prazo, e agora essa grande crise global em saúde e economia está movendo todos nós no terreno em que pisamos.
É verdade que a cultura organizacional do Comitê Olímpico Internacional é ter tudo contratado o tempo todo e no momento não é possível.
Esta é a grande crise, não apenas para a família olímpica, mas para todos os cidadãos do mundo, o mundo se tornou uma estrutura incerta e imprevisível para todos.
Isso mudará nossa maneira de pensar e agir, não há dúvida.
Com sua experiência estudando a mídia esportiva, você acredita que a cobertura da imprensa das Olimpíadas será muito diferente após essa pandemia?
Não consigo imaginar Jogos diferentes do ponto de vista da mídia.
Pode ser que, na pior das hipóteses, os Jogos tenham que ser realizados sem público, não quero pensar nisso, mas realmente o público importante não é local, mas global, e os Jogos os terão porque, como disse o (ex) presidente (do COI) Jacques Rogge a Olimpíada realizada principalmente na televisão, e eu acrescentaria na mídia digital.
Os Jogos terão técnicas de holograma de alta definição, realidade virtual, robôs assistentes em estádios.
Por sua vez, o 5G garantirá uma conexão em alta velocidade e de banda larga, o desempenho da televisão será brilhante.
No entanto, não há crise de demanda, porque há agora e em um ano haverá uma demanda global por um evento esportivo de interesse como os Jogos Olímpicos
Falando em atletas e na economia pós-quarentena: mais países como a Espanha sofrerão para se recuperar e preparar suas equipes para as Olimpíadas de Tóquio?
Ou os países com mais problemas sociais tendem a sofrer mais no meio da recessão e, portanto, também sofrem mais para preparar adequadamente seus atletas para 2021?
A pandemia não é um problema da Espanha ou da Itália, mas um problema mundial.
Devemos estar cientes de que, enquanto houver casos em algum país e não tivermos uma vacina, o perigo pairará sobre todos nós.
Os países europeus que garantem acesso universal aos cuidados de saúde estão enfrentando problemas no meio dessa pandemia, então não quero imaginar o que aconteceria nos países em desenvolvimento sem essas estruturas de saúde.
Espero que possamos conter a epidemia antes do inverno do hemisfério sul.
Na Europa, já se fala do final da primavera para o retorno das competições, principalmente no futebol de elite.
Isso permitirá que o dinheiro retorne ao esporte, os esportes minoritários e suas federações se beneficiarão disso.
Se for possível conter o vírus, os atletas poderão treinar com precauções e esperamos que em 2021 os Jogos possam se desenvolver normalmente.
Esta é a grande crise, não apenas para a família olímpica, mas para todos os cidadãos do mundo, o mundo se tornou uma estrutura incerta e imprevisível para todos.
Isso mudará nossa maneira de pensar e agir, não há dúvida.
Reportagem: Globoesporte.globo.com
Adaptação: Eduardo Oliveira
Revisão de Texto: Ana Cristina Ribeiro
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