quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

De volta ao time

Bahia decide reintegrar Ramírez e anuncia que vai incluir cláusula antirracista em contrato.

Meio-campo Gerson, do Flamengo, havia feito denúncia de injúria racial contra o atacante Índio Ramírez, do Bahia.

O Bahia divulgou, através de uma carta aberta emitida nesta quinta-feira (24), que a perícia contratada pelo clube não comprovou a denúncia de injúria racial feita contra o atleta Índio Ramírez, que será reintegrado imediatamente ao elenco tricolor. 

Além disso, o comunicado cita medidas estruturais adotadas para evitar e combater o racismo no futebol.

Por meio da nota, o clube diz que, mesmo considerando importante a palavra da vítima, no caso, o meia Gerson, do Flamengo, “não deve manter o afastamento do atleta Índio Ramírez ante a inexistência de provas e possíveis”.

"Os laudos das perícias em língua estrangeira contratadas pelo Bahia não comprovam a injúria racial e o clube entende que, mesmo dando relevância à narrativa da vítima, não deve manter o afastamento do atleta Índio Ramírez ante a inexistência de provas e possíveis diferenças de comunicação entre interlocutores de idiomas diferentes. O papel do Bahia é de formação e transformação, sempre preservando os direitos fundamentais e a ampla defesa. O atleta deverá ser reincorporado ao elenco tão logo os profissionais da comissão técnica e psicólogos entendam adequado", afirma o clube, em nota.

Mesmo após reintegrar Índio Ramírez ao elenco, a direção tricolor garante que vai ficar atenta aos desdobramentos do caso e promete avaliar qualquer fato novo que venha a surgir.

O clube garantiu também que vai implementar o que chamou de conjunto imediato de medidas estruturais, entre elas uma inclusão de cláusula antirracista, xenofóbica e homofóbica no contrato dos atletas. 

Confira abaixo:

Implantação do projeto “Dedo na Ferida” para o elenco na pré-temporada. 

Não haverá jogador ou jogadora que vista a camisa do Bahia sem que tenha antes a oportunidade de obter acesso a uma imersão sobre racismo estrutural.

Encaminhamento junto à mesa do Conselho Deliberativo do clube para incorporação de cotas raciais nas próximas eleições.

Inclusão de espaço no Museu do Bahia dedicado ao combate e debate do racismo, xenofobia, sexismo e LGBTfobia e demais formas de intolerância.

Apoio ao projeto de lei que Cria o Dia Nacional Da Luta Contra o Racismo no Futebol.

Índio Ramírez estava afastado de todas as atividades do Bahia desde o último domingo (20), quando o clube decidiu que abriria uma investigação interna para apurar se ele realmente proferiu a frase “cala a boca, seu negro”, direcionada a Gerson.

Na última quarta-feira (23), o Bahia já havia divulgado que um dos cinco especialistas ouvidos pelo clube negou que Ramírez tenha chamado Bruno Henrique de “negro” em uma discussão posterior à reclamação de Gerson.

Eduardo Llanos, que é chileno e tem o espanhol como língua materna, entende que Ramírez perguntou “tá quanto?” a Bruno Henrique. 

O entendimento diverge daquele apontado por três especialistas ouvidos pelo Flamengo, que apontam que Ramírez, de fato, teria chamado Bruno Henrique de “negro”.

Outro especialista consultado pelo Bahia, o perito argentino Roberto Niella também emitiu laudo no qual descarta que Ramírez tenha dito a palavra "negro" durante a discussão com Bruno Henrique. 

As análises do Instituto Brasileiro de Peritos (IBPTECH), do perito baiano Antonio César Morant Braid e do paulista Mauricio Raymundo de Cunto, todos procurados pelo clube baiano, tiveram o mesmo resultado.

Na terça-feira (22), o ge consultou três especialistas em leitura labial: Luis Felipe Ramos Barroso, Felipe Oliver e Mikel Vidal, os dois últimos do Ines (Instituto de Educação de Surdos), que produziu o laudo para o Flamengo. 

Os três afirmaram que Ramírez disse "fala muito, seu negro" na direção de Bruno Henrique durante a discussão.

Confira a íntegra da nota divulgada pelo Bahia:

"PARTE 1 – O RACISMO E A SOCIEDADE

O racismo faz nosso país sangrar. 

Pela morte, pela dor, pelas portas fechadas, pela discriminação no mercado de trabalho, pela violência diária de todas as formas. 

O racismo entra pela fresta das casas, está nas ruas, nos supermercados, nas empresas e também no futebol. 

Segue impregnado por todos os lados. 

Combater o racismo é dever de todos: das organizações, dos governos e sobretudo das pessoas que historicamente se beneficiaram de uma estrutura social e econômica sustentada na branquitude e no racismo. 

O racismo é um fenômeno concreto e opera para além das estatísticas de expectativa de vida, acesso à saúde e garantias dos direitos fundamentas e dignidade humana. 

O racismo é persistente, gritante, barulhento e, por muitas vezes, silenciosamente cruel.

PARTE 2 – O BAHIA NO DEBATE RACIAL

Há três anos, através do Núcleo de Ações Afirmativas, o Bahia se tornou referência internacional na luta antirracista. 

As campanhas educativas do clube viraram tema de vestibular em universidades e de redação em escolas. 

Para além das campanhas, o Bahia foi o primeiro time de futebol no mundo a lançar um programa de imersão para debater os aspectos estruturais do racismo. 

O “Dedo na Ferida” capacitou 484 pessoas em 15 organizações de 3 capitais brasileiras. 

Funcionários, diretores, conselheiros, torcidas organizadas, profissionais de imprensa, além de empresas de fora do esporte, participaram gratuitamente. 

Antes disso, homenageou personalidades negras do passado e do presente em suas camisas. 

Na divisão de base, o Bahia possui amplo programa de desenvolvimento humano tendo o combate ao racismo como tema principal. 

Há apenas 33 dias, abriu programa de trainee exclusivo para pessoas autodeclaradas pretas, ao todo com 305 candidatos, em outra inovação no futebol.

PARTE 3 – ACONTECEU COM O BAHIA? QUAL O SENTIDO DISSO?

O episódio do último domingo (20), toda a sua repercussão e simbologia nos revela que o combate ao racismo deve ser ainda mais aprofundado no nosso clube e no Brasil. 

O Bahia é um reflexo de uma sociedade que carrega o racismo em suas estruturas. 

A questão racial não pode servir de pano de fundo para uma disputa entre clubes e torcidas rivais. 

O racismo não veste uma só camisa. 

A postura antirracista deve ser constante e não apenas quando convém ao time que torcemos. 

No caso do Bahia, embora já venha perseguindo a luta antirracista, seria ingênuo acreditar que estaríamos imunizados a um fenômeno tão complexo e particularmente enraizado na sociedade brasileira. 

Ninguém está! 

Ser antirracista no Bahia não é apenas uma opção da presente gestão, mas uma obrigação institucional.

PARTE 4 – O QUE FAZER?

Os laudos das perícias em língua estrangeira contratadas pelo Bahia não comprovam a injúria racial e o clube entende que, mesmo dando relevância à narrativa da vítima, não deve manter o afastamento do atleta Indio Ramírez ante a inexistência de provas e possíveis diferenças de comunicação entre interlocutores de idiomas diferentes. 

O papel do Bahia é de formação e transformação, sempre preservando os direitos fundamentais e a ampla defesa. 

O atleta deverá ser reincorporado ao elenco tão logo os profissionais da comissão técnica e psicólogos entendam adequado.

É menos sobre um suposto ato entre dois jogadores, e mais por uma comprovada estrutura racista que negligencia direitos fundamentais e nega a existência das pessoas negras. 

O Futebol é reflexo de uma sociedade que, quando não nega o racismo, adere a um populismo punitivista que finge resolver o problema apenas punindo o agressor. 

Atos de discriminação racial não são “casos isolados”.

Portanto, por entender seu papel de entidade de interesse público, o Bahia se compromete publicamente a adotar um conjunto imediato de medidas estruturais:

1. Inclusão de cláusula anti-racista, xenofóbica e homofóbica no contrato dos atletas.

2. Proposta de criação de protocolo antidiscriminatório para jogos de futebol no Brasil.

3. Implantação do projeto “Dedo na Ferida” para o elenco na pré-temporada. 

Não haverá jogador ou jogadora que vista a camisa do Bahia sem que tenha antes a oportunidade de obter acesso a uma imersão sobre racismo estrutural.

4. Encaminhamento junto à mesa do Conselho Deliberativo do clube para incorporação de cotas raciais nas próximas eleições.

5. Inclusão de espaço no Museu do Bahia dedicado ao combate e debate do racismo, xenofobia, sexismo e LGBTfobia e demais formas de intolerância.

6. Apoio ao projeto de lei que Cria o Dia Nacional Da Luta Contra o Racismo no Futebol.

Adicionalmente, o Bahia seguirá acompanhando os desdobramentos que ocorrerem fora das instâncias do clube, seja na Polícia Civil ou no Superior Tribunal de Justiça Desportiva.

Além de negros, somos nordestinos e conhecemos bem o poder do preconceito e da exclusão pela xenofobia. 

Diante disso e das provas constituídas, caberá ao atleta Ramírez decidir pela denúncia ou não quanto ao tema, e ao Bahia apoiar a decisão.

Desde o domingo à noite o Bahia procurou uma rede de apoio formada por lideranças ligadas a movimentos sociais de enfrentamento ao racismo como o Observatório de Discriminação Racial e instituições como a Defensoria Pública e o Ministério Público do Estado, com quem está construindo um Termo de compromisso antirracista. 

Entendemos que nesse momento é necessário incorporar o compromisso com a implantação real e perene da agenda antirracista. 

Desta forma, respaldo institucional e a experiência de tais atores deste processo consolida e qualifica as nossas decisões.

Muitas das ações propostas neste documento, dentre outras, estarão sendo instrumentalizadas, nos próximos dias em convênios, parcerias e termos de compromissos com a agenda de enfrentamento ao racismo. 

As decisões e propostas durante esse processo tiveram a colaboração dos voluntários do nosso Núcleo de Ações Afirmativas, professores e ativistas atuantes no debate racial nas universidades e nos movimentos sociais.

O Bahia segue como um clube atento ao seu papel de transformação e bem-estar social. O futebol não é um fim em si mesmo. 

É um agente que deve promover união, preservação do patrimônio cultural, lutas por igualdade e diversidade dentro e fora das quatro linhas.

Esporte Clube Bahia".

Reportagem: Globoesporte.globo.com

Adaptação: Eduardo Oliveira

Revisão de Texto: Ana Cristina Ribeiro

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