Levir revela clube do coração e recorda virada histórica do Galo sobre o Flamengo: "Arrepio até hoje".
Treinador repassa carreira, relembra história do 'burro com sorte' e critica formação cultural do jogador brasileiro: "Rico e famoso com ignorância".
Um personagem carismático, sincero e avesso aos padrões do futebol atual.
Distante da profissão há dois anos, Levir Culpi leva vida mansa em Curitiba, imune às críticas e ao ambiente hostil da vida de treinador no Brasil.
"Hoje ninguém me xinga, é uma maravilha. E também não cometo erros. Nunca mais fiz substituição errada", brinca o treinador.
Aos 71 anos, Levir recebeu a equipe do Globo Esporte com exclusividade em seu restaurante, no Centro da capital paranaense, para falar de futebol e relembrar histórias da carreira.
O Tempero de Minas guarda memórias da carreira do treinador e valoriza a culinária de um estado que lhe acolheu. Campeão da Copa do Brasil por Atlético-MG e Cruzeiro, Levir marcou o nome na história dos rivais de Belo Horizonte.
Com o Galo, em 2014, conquistou o título justamente em cima da Raposa, com virada histórica sobre o Flamengo, na semifinal.
O Rubro-Negro venceu na ida por 2 a 0 e ampliou vantagem ao abrir o placar na volta, no Mineirão, mas o Galo virou para 4 a 1.
"Dá um arrepio só de lembrar. Em alguns momentos era quase impossível de reverter, muito difícil, e a gente foi revertendo. Foi uma campanha brilhante. Um grupo que se abraçou, um empurrão enorme da torcida, uma união muito especial. Foi inesquecível, de arrepiar", afirma Levir Culpi.
"Às vezes você toma cada porrada que não acredita. De times que investiram menos, com menos torcida. São situações loucas. É por isso que o futebol é tão querido. Não tem uma lógica como em outros esportes. Ele te proporciona algumas situações ridículas e incríveis", completou.
Com mais de cinco décadas dedicadas ao esporte, Levir é um crítico do 'jeito brasileiro' de consumir futebol.
"Procuro assistir (futebol) com um olhar mais cômico, as coisas engraçadas. Todo jogo tem uma coisa divertida. Sem aquele sofrimento, pressão, de precisar ganhar de qualquer jeito. Temos que encarar de forma mais leve, o pessoal sofre muito. Não se leva nada dessa vida", falou.
"Eu fico impressionado com o conhecimento de futebol que o brasileiro tem. Se nós tivéssemos um conhecimento do português, por exemplo, desse nível, nosso país seria melhor e mais rico. Se a gente cobrasse os políticos no mesmo nível de exigência do futebol, o Brasil estaria bem melhor", provocou.
Levir também não poupou críticas ao processo de formação do jogador brasileiro.
Para ele, o baixo nível de escolaridade da maioria prejudica o desenvolvimento social e cultural da classe.
"Os meninos que tentam jogar bola na base, poucos têm boa escolaridade, estrutura familiar, então muitos crescem com ignorância. E do nada o cara fica rico com a ignorância. E fica famoso com ignorância. A falta de cultura é um problema. Meu pai era motorista de táxi, não conseguiu estudar, mas obrigou os quatro filhos, e todos nós temos ensino superior", falou.
Fora do futebol, acompanha de perto a trajetória de um velho conhecido, e conterrâneo, no comando do Athletico.
Amigo pessoal de Cuca, Levir exaltou o espírito competitivo do companheiro, atualmente na liderança do Campeonato Brasileiro.
"O Cuca nasceu em Santa Felicidade, terra de italiano, terra do meu pai. Ele é um vencedor. Odeia perder. Não aceita derrota, nem na pelada. Isso é bom. Por um lado, ele dá a vida para competir, se entrega totalmente. Mas a derrota não aceita. Pode ver, sempre reclamando, discutindo. É dele. Aprendeu muitas coisas nos últimos anos. Ele trabalha para vencer, sempre", falou.
Sobre o clube do coração, Levir tentou desconversar, mas revelou, com alguma dose de malandragem.
"O clube da vida do Levir é difícil, mas eu fico com o Cerezo Osaka, porque ninguém conhece e ninguém vai me xingar. Me aplaudiam até nas derrotas (risos), nunca me xingaram. Em Minas, se eu falar um ou outro, me matam. Então eu fico com o Cerezo Osaka", brincou.
Outros trechos da entrevista:
O 'burro com sorte': O “burro com sorte” foi em Santa Catarina, em um jogo entre Criciúma e Joinville. Nós precisávamos ganhar e tirei um atacante para botar um meia, o Grizzo. Foi isso que o torcedor reclamou, e tecnicamente ele tinha razão. Mas quem conhece o time, quem treina, é o treinador. Ele me chamou de burro, mas nós ganhamos. Ao término da partida, fui em direção ao túnel de saída para o vestiário, que era muito próximo ao alambrado. Quando me virei com olhar de vitorioso para aquele torcedor que havia me criticado, ele gritou: “Seu burro com sorte”.
Jogador e técnico ao mesmo tempo?
"Essa história também foi em Santa Catarina. Tive a oportunidade de ser treinador e jogador ao mesmo tempo. Eu e o Balduíno, no Figueirense. O técnico foi mandado embora e nós assumimos. Os dois foram titulares. Eu tirei ele, mas depois ele ficou p… e me tirou também (risos)".
"O maior desafio do treinador: Sem dúvida alguma a gestão do grupo. Você monta o time, precisa ter uns 30 jogadores. Se eu te deixar fora dos 11, você vai ficar feliz? Já são 20 te olhando feio. Eu fui jogador, titular quase sempre, mas algumas vezes, no banco, ficava p..."
Às vezes o técnico pensa uma coisa e o jogador pensa outra.
E algumas vezes o treinador tá errado, não é dono da razão.
Então você tem que gerir e controlar o ambiente.
O presidente e dirigente vão opinar.
Todo mundo tem opinião no futebol, e você precisa administrar.
A arrogância, em qualquer lugar, é ruim, mas no futebol não se cria.
"O jogador que mais deu trabalho: É difícil te dar essa resposta, porque foram vários (risos). Mas cada um com sua história, uma situação diferente. Às vezes o cara não tá recebendo em dia, no banco de reservas, problema em casa. O treinador desagrada muita gente. Jogador, torcedor, família de jogador. Do goleiro ao ponta esquerda, você não sabe o que tem de história de vida, diferença social. Um era de família rica, outro veio da periferia, um experiente, o outro subindo da base. São 11. Com diferenças e felizes. E outros 20, com diferenças e infelizes. E você tem que administrar tudo isso, é muito difícil".
Início de Fernandinho no Athletico: Quando olhei para ele na primeira vez já era possível ver.
Ele sobressaia, era acima da média.
O que não significava que daria certo, às vezes acontece de não virar.
São muitas armadilhas.
Mas ele jogava muita bola, querido por todos e uma grande pessoa.
O Athletico de 2004 está entre os melhores que você comandou?
Acho que sim, entre os três melhores da minha carreira.
Dava prazer de ver aquele time jogar, certamente entre os melhores.
Experiência no Japão: No Japão eles te veem como professor. Os times entram em campo, aplausos. Saída, igual, independente do resultado, para os dois times. Eu passava vergonha. Às vezes perdia o jogo e os caras aplaudiam. Tomava porrada e os caras aplaudiam.
Eu pensava: “Não é possível”. Nunca fui chamado de burro, até porque eles nem sabem o significado do termo. É uma cultura diferente. Eles dão lição para a gente, aprendi muita coisa. Até abri um restaurante japonês (risos).
Reportagem: Globoesporte.globo.com
Adaptação: Eduardo Oliveira
Revisão de Texto: Ana Cristina Ribeiro
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