segunda-feira, 27 de abril de 2020

Era Dunga

É preciso reconhecer a "Era Dunga" como sinônimo de sucesso e de um grande jogador.
Dunga, capitão da seleção brasileira de 1994. (Foto: Globoesporte.globo.com)
Chegou a hora de revisar velhos mitos e quebrar com a ideia de que esse time era chato e de que Dunga não era bom jogador.

Se você olhar bem de perto, com bastante critério, poucos mitos persistem após uma revisão. 

As reprises de jogos antigos desmistificam e confirmam as narrativas ouvidas desde sempre. 

Muita gente se decepcionou com a Seleção de 1982, muitas outras se encantaram com o Brasil de 1970. 

Chegou a hora de desmentir mais um mito: o de que a Seleção de 1994 jogava um futebol “chato” e de que Dunga era “brucutu”.

Mentira! 

Das feias! 

Você viu a reprise na TV Globo nesse domingo (26). 

Já leu sobre. 

Agora é hora de ressignificar. 

Da primeira imagem que alguém fala em “Seleção do Tetra” ser a mesma do restante do mundo e de Johan Cruyff, admirador confesso da equipe. 

Por que é diferente aqui? 

Por que há tanta má vontade com o Tetra?

O contexto da época explica: Eram 24 anos sem ganhar o Mundial. 

A Seleção de 1982 deixou um trauma, algo que o Brasil geralmente não compreende ou lida mal. 

Como resposta, os esforços se voltaram a modernizar o futebol: Lazaroni era visto como o técnico mais atualizado do país em 1988, e Falcão chegou em 1990 falando em copiar o sistema do Milan de Arrigo Sacchi. 

Era uma fase de transição. 

Craques como Sócrates, Zico, Júnior e Oscar tinham se aposentado. 

O Brasil passara por uma dramática redemocratização e estava mudando sua moeda com níveis impressionantes de inflação. 

Ayrton Senna havia falecido tragicamente. 

Eram tempos complicados, não como hoje, mas complicados de uma forma diferente. 

As esperanças foram todas para a disputa da Copa do Mundo nos Estados Unidos.

Por que esse time foi, sim, genial?

Perder não era uma opção, e Parreira pensou ideias para cumprir essa ansiedade. 

A primeira delas foi garantir segurança. 

O treinador sabia que qualquer derrota, por qualquer motivo ou detalhe, seria vista com imenso exagero como foi 1990. 

Brasil X Argentina foi um banho brasileiro e uma finalização, o gol, da Argentina. 

Não é reescrever a história, é ver a realidade com seus próprios olhos. 

Mauro Silva entrou ao lado de Dunga, mas cumpria função específica: não avançava. 

Ficava com os dois zagueiros para garantir sempre três jogadores para matar contra-ataques, exatamente o que faltara na Copa passada.

A outra ideia foi apostar na posse de bola. 

O calor nos Estados Unidos era insuportável, mais que o de Salvador em 2014. 

Seria desgastante jogar em alta velocidade e rotação como 1982, e o futebol evoluíra a ponto da preparação de 1970 já ser comum em todo o mundo. 

Para evitar a fadiga, passes por todo o campo, em especial o centro. 

Zinho e Raí circulavam, abriam espaço para Branco e Jorginho e esperavam Romário fazer o histórico desmarque para chutar de biquinho.

Você leu Raí, sacado para a entrada de Mazinho. 

Com razão! 

Raí era ponta-de-lança: pegava e partia pra cima, arrancava, meio Kaká. 

Ele prejudicava o ritmo e a organização da Seleção. 

É uma escolha: você mantém o sistema que faz o melhor jogador do mundo fazer gol à beça ou muda tudo pra encaixar um jogador teoricamente mais talentoso? 

Parreira fez a escolha lógica. 

Podia dar certo ou não, mas esse é o trabalho do técnico: tomar decisões que às vezes as pessoas não compreendem.

Um time que sufoca os adversários, vira jogos complicados como contra a Holanda, despacha a anfitriã e ainda tem craques não pode ser reduzido ao rótulo de retranqueiro. 

Imagem equivocada que veio da grande segurança defensiva que o time tinha, foram apenas 15 finalizações sofridas no gol em todo o torneio! 

Se defender bem não é se retrancar. 

O Brasil era extremamente organizado, mais até do que 1982, tinha muita qualidade individual....

Por isso que, sem“mas”, sem mau-humor, sem ranzinhice: a Seleção do Tetra jogou MUITA bola e não deve nada ao time de 1982 ou outros. 

Ponto final.

Há um outro mito que precisa ser desfeito.

Ele tem nome e sobrenome: Carlos Caetano Bledorn Verri. 

Em que mundo Dunga foi “brucutu” como basicamente todo pai ou avô fala? 

Onde Dunga é símbolo de uma era de futebol chato e pragmático que chega em duas finais de Copa? 

Essas pessoas realmente viram as Copas de 1994 e 1998? 

Porque um olhar por jogo, com critério, mostra um meio-campista completo: marcava, desarmava, pensava e jogava, e como jogava! 

Ninguém deu mais passes do que Dunga numa edição de Copa do Mundo.

Você sabia que Dunga é o jogador que mais fez passes numa Copa do Mundo?

O Brasil de 1994 estava longe de ser defensivo ou retranqueiro. 

Era uma time cheio de ideias e com filosofia próxima da Espanha de 2010. 

Ele era o cérebro da Seleção do Tetra: organizava para Mazinho e Zinho armarem para a dupla de ataque. 

A palavra importa: organizar é diferente de armar. 

O passe de organização é o passe que fala onde o jogo irá fluir. 

Ele dá o recado para os jogadores aproximarem e para quem está do outro lado ficar atento aos espaços vazios. 

Dunga podia fazer isso da defesa, com muitos lançamentos...

Ou fazia chegando de trás, quando havia espaço. 

Quem faz o gol fica com a fama, mas já pensaram em como é difícil fazer a bola chegar até lá? 

Essa zona de jogo também é perigosa, porque é quando os atacantes pressionam para roubar a bola. 

O erro aqui ferra os zagueiros, que precisarão correr para trás ou tentar dar o bote.

Ele não só errava pouco. 

Não era só o cérebro. 

Era também sinônimo de defender bem. 

Jamais economizou suor ou disposição para pressionar a bola, tentar o desarme, recuperar a bola para o time. 

De novo, a fama sempre fica com o atacante, mas futebol sempre é um esporte coletivo. 

Pouquíssimos jogadores na história uniam um poder de organização e uma agressividade defensiva no mesmo jogador, com tanta constância. 

A “Era Dunga” tem que ser sinônimo de elogio, até pela liderança poucas vezes vista.

Por isso que, sem “mas”, sem mau-humor, sem ranzinhice: Dunga foi CRAQUE! 

Jogou demais. 

Ponto final.

O Brasil certamente seria um país melhor se as coisas fossem tratadas com mais racionalidade. 

Com mais critério. 

Com mais valorização de quem já fez muito. 

É um roteiro repetido: não importa o quanto um jogador, personalidade, político ou pessoa tenha feito no total: o brasileiro sempre vê o lado negativo. 

Sempre dá um peso maior aos erros. 

Torce o nariz e se recusa a desfazer o engano, “é minha opinião!” 

Bom, está na hora de rever algumas. 

E fazer justiça ao Brasil do Tetra e ao grande jogador que foi Dunga.

Reportagem: Globoesporte.globo.com

Adaptação: Eduardo Oliveira

Revisão de Texto: Ana Cristina Ribeiro

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