sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Depois de 15 anos

Fluminense volta a Curitiba em luta contra o rebaixamento 15 anos após batalha campal.

Personagens da fuga heroica de 2009 narram momentos de tensão com violência após jogo que determinou o rebaixamento do Coritiba e manteve o Fluminense na Série A.

Dia 6 de dezembro de 2009. Estádio Couto Pereira, em Curitiba. 

O placar mostrava 1 a 1 na partida entre Coritiba e Fluminense pela última rodada do Campeonato Brasileiro. 

Após os acréscimos, o árbitro Leandro Vuaden apitou pela última vez e encerrou o jogo. 

O milagre aconteceu: o Fluminense conseguiu se livrar do rebaixamento com o resultado, com uma arrancada histórica, com 7 vitórias e 4 empates nas últimas 11 rodadas, depois de ser dado como rebaixado. 

"O alívio e a emoção tricolor, porém, rapidamente foram ofuscados por momentos de terror. Foi uma sensação de dever cumprido quando o árbitro assinalou o final de jogo, me passou um filme na cabeça ainda mais por se tricolor desde pequeno, uma sensação indescritível, que só um torcedor fanático realmente pode sentir. Fomos comemorar com a nossa torcida e quando nos viramos para o campo, presenciamos uma selvageria", comentou Dalton, um dos jogadores do Fluminense naquele jogo.

Revoltados com o rebaixamento do Coritiba no ano do centenário, torcedores invadiram o gramado para agredir o árbitro gaúcho. 

A Polícia Militar agiu e houve um confronto generalizado. Cadeiras do estádio foram destruídas e jogadas no gramado.

"Foi tudo muito rápido. Estávamos felizes pela permanência. Mas virou uma confusão completa. Na hora eu vi os torcedores invadindo, um cara desmaiado no chão, a gente não sabia para onde correr. Pensei que íamos morrer ali. Aquilo foi um inferno, uma loucura", afirmou Ronaldo Torres, ex-preparador físico do Fluminense

Quinze anos se passaram desde o caos que tomou conta do Couto Pereira, que foi descrito como “batalha campal” por Vuaden na súmula.

Neste domingo (1º), o Fluminense retorna a Curitiba, para novamente disputar um jogo importantíssimo na luta contra o rebaixamento. 

Desta vez, na Ligga Arena, contra o Athletico-PR, que também está no ano do centenário e precisa de pontos para ficar na Série A.

"Foi um dos momentos mais emblemáticos da história recente do futebol brasileiro, simbolizando tanto o lado bom, com a heroica salvação do Fluminense, quanto o lado ruim, com a lamentável invasão de campo", comentou Dalton, ex-jogador do Fluminense.

Abaixo, o ge traz bastidores da partida no Couto Pereira de 2009, que terminou com 17 feridos, prejuízo de mais de R$ 500 mil ao estádio e mais seis pessoas condenadas pelo quebra-quebra, após decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR) em 2017. 

Confira.

Após ficar na lanterna do Campeonato Brasileiro de 2009 quase toda a competição e ter 99% de risco de ser rebaixado, o Fluminense deu um passo importante para permanecer no Campronato Brasileiro da Série A ao bater o Vitória por 4 a 0 na trigésima sétima rodada. 

Depois da arrancada história e de ter deixado o Z-4, faltava pouco para a permanência.

Com 45 pontos, um a mais do que o Coxa, adversário da última rodada, o jogo virou um confronto direto. 

Quem vencesse evitaria o rebaixamento, e o Fluminense precisa de um empate no Couto Pereira para garantir lugar na elite em 2010.

Na época, com todo o clima que envolvia o confronto, a imprensa e os torcedores divulgavam um grande "green hell", ou "inferno verde", como é conhecida a festa da torcida do Coxa no Couto Pereira. 

Ex-jogador do Fluminense, Dalton recorda que o clima tenso começou antes do apito inicial.

"Parece que foi ontem, mas o jogo iniciou bem antes do apito do árbitro. A torcida do Coritiba ficou soltando fogos a noite inteira na frente do hotel que estávamos hospedados, além disso, a cidade estava completamente mobilizada em relação ao jogo, como se fosse realmente uma guerra, o que infelizmente, aconteceu no apito final", lembra Dalton.

Preparado físico do Fluminense na época, Ronaldo Torres foi contratado na reta final do Brasileirão para ajudar Cuca a evitar o rebaixamento. 

Trabalhando atualmente no Inter de Limeira, ele lembra que o delegação tricolor enfrentou muitos problemas muito antes de ir para o estádio.

"Foi muito complicado tudo. Foi uma loucura total. Tivemos que trocar de hotel. Começaram a soltar foguetes quando chegamos. Foi uma confusão total ao redor do hotel, na ida para o estádio também. A gente só via a torcida do Coritiba para todo lado", afirmou Ronaldo Torres.

Empurrado pela torcida, que fez uma linda festa antes da partida, o Coritiba começou em cima do Fluminense e criou sua primeira oportunidade de gol aos 4 minutos do primeiro tempo, quando Renatinho foi derrubado por Dalton na entrada da área. 

Marcos Aurélio cobrou com categoria e a bola passou à esquerda da meta de Rafael.

Um lance polêmico gerou muita reclamação por parte do Fluminense aos 21 minutos do primeiro tempo. 

Após cobrança de escanteio, Fred deu leve desvio na bola e tirou de Vanderlei, mas Jeci chegou rapidamente e afastou quando a bola ia entrando. 

Os tricolores pediram gol, mas o árbitro mandou o jogo seguir.

Aos 26 minutos do primeiro tempo, finalmente a rede balançou no Alto da Glória. 

Fred rolou a bola na cobrança de falta e Marquinhos chutou com força, no canto esquerdo de Vanderlei: 1 a 0 Fluminense. 

O Coxa não se abalou com o gol e quase chegou à igualdade aos 30 minutos do primeiro tempo, quando Marcelinho soltou a bomba da entrada da área. 

A bola subiu muito.

"Eu lembro que depois do gol do Marquinhos, a ansiedade ia aumentando. A gente foi vendo a ansiedade aumentar. Estávamos muito concentrados. Eles até empataram. Mas o clima foi ficando cada vez mais tenso", comentou Ronaldo Torres, ex-preparador físico do Fluminense.

De tanto pressionar, o Coxa conseguiu o empate aos 35 minutos do primeiro tempo. 

Marcelinho Paraíba bateu falta na cabeça de Pereira, que testou firme e Rafael não alcançou.

"Já no meio do segundo tempo, o estádio ficou em silêncio, pois com a combinação dos resultados até então, o Coxa teria que ganhar o jogo para não ser rebaixado", afirmou Dalton, ex-jogador do Fluminense.

No segundo tempo, precisando do gol, o Coritiba abusou das jogadas aéreas, mas a defesa tricolor segurou o 1 a 1. 

Choro de tristeza nas arquibancadas do Couto Pereira, e alegria e alívio para o time de guerreiros do Fluminense.

Do alívio ao pânico: Uma foto de Ronaldo Torres abraçando o técnico Cuca após o apito final ganhou muito destaque na época. 

Os momentos de emoção no gramado do Couto Pereira, no entanto, duraram pouco. 

De acordo com o preparador físico de 67 anos, em mais de 50 anos dedicados ao futebol, ele nunca viu nada parecido ao que se sucedeu ao apito final.

"Nós estávamos comemorando e eu vi o pessoal entrando no gramado. De imediato até pensei que fosse a torcida do Fluminense festejando. Mas foi tudo muito rápido. Eu lembro de pensar "meu, Deus, o que está acontecendo?". A gente não sabia para onde correr. Eu estava com a camisa do Fluminense e tive que tirar para não apanhar. Tive que me esconder".

"Eu já tinha estado em jogos com confusão com o Flamengo. Mas nada parecido com aquilo. Tiveram que abrir uma brecha para conseguirmos passar. Estavam jogando pedras, quebrando tudo. Foram momentos de pânico mesmo. Foi realmente um inferno aquilo", falou Ronaldo Torres, ex-preparador físico do Fluminense.

Presos no vestiário: 

!Complicado mesmo foi sair de campo. Durante o jogo, foi difícil saber que as outras partidas já tinham terminado e não podíamos tomar outro gol de maneira alguma. Mas quando acabou, a confusão toda foi triste. Não tinha segurança alguma", Marquinho, autor do gol em Curitiba, em entrevista ao Globo Esporte em 2011.

Enquanto os torcedores do Curitiba depredavam o estádio e entravam em confronto com policiais, a delegação tricolor conseguiu entrar em um dos vestiários do Couto Pereira após seguranças e militares abrirem caminho. 

Mas o drama ainda estava longe de acabar. Por causa do tumulto, o time teve que ficar preso no vestiário por horas até conseguir deixar o estádio rumo ao aeroporto.

"Ficamos quase três horas esperando no vestiário para poder deixar o estádio, mas naquele momento, nada mais importava. Não foi um título, é verdade, mas foi um jogo histórico, algo que jamais esquecerei", comentou Dalton, ex-jogador do Fluminense.

"Nós ficamos no vestiário muito tempo depois do jogo, com a polícia na porta. Mas não dava para sair. Estávamos aliviados pelo resultado, mas todo mundo querendo ligar para a família e avisar que estava tudo bem. Estava todo mundo preocupado conosco depois de tudo que aconteceu", comentou Ronaldo Torres.

FICHA TÉCNICA:

CORITIBA-PR X FLUMINENSE-RJ

Data: 06/12/2009

Local: Couto Pereira, Curitiba-PR

Árbitro: Leandro Pedro Vuaden (FIFA-RS - Federação Internacional das Associações de Futebol - Rio Grande do Sul)

Auxiliares: Márcio Eustáquio Santiago (FIFA--MG) e Paulo Ricardo Silva Conceição (RS - Rio Grande do Sul)

Cartões amarelos: Leandro Donizete, Jaílton e Marcelinho Paraíba (Coritiba), Dalton, Rafael, Marquinho, Equi González e Darío Conca (Fluminense).

Gols: Marquinho (27 minutos do primeiro tempo) (0 a 1) e Pereira (aos 35 minutos do primeiro tempo) (1 a 1).

CORITIBA: Vanderlei; Rodrigo Heffner (Márcio Grabriel), Jéci, Pereira e Renatinho; Jaílton, Leandro Donizete, Pedro Ken (Carlinhos Paraíba) e Marcelinho Paraíba; Marcos Aurélio e Ariel (Rômulo). 

Técnico: Ney Franco.

FLUMINENSE: Rafael; Gum, Dalton e Cássio; Mariano, Diogo, Maurício, Darío Conca e Marquinho (Dieguinho); Alan (Adeílson, depois Equi González) e Fred. 

Técnico: Cuca.

Depois de escapar do rebaixamento na última rodada em 2009, o Fluminense se consagrou campeão brasileiro no ano seguinte, após 26 anos, sob o comando de Muricy Ramalho, mas com Ronaldo Torres ainda como preparador físico.

"O nosso título começou ali em 2009, com aquele grande trabalho do Cuca, que barrou jogadores e conduziu o Fluminense para escapar do rebaixamento naquele jogo em Curitiba. Fomos campeões depois com um grande trabalho do Muricy. Mas tudo começou mesmo em 2009", afirmou Ronaldo Torres.

"Para mim, a salvação em 2009 valeu tanto quanto o título no ano seguinte", afirmou Marquinho, em entrevista ao Globo Esporte em 2011.

A confusão no Couto Pereira terminou com 17 pessoas feridas. 

Na época, a estimativa foi que o prejuízo com as depredações superou os R$ 500 mil. 

O Coritiba acabou com pena de 30 jogos sem mando de campo e multa de R$ 610 mil. 

Após recorrer, a pena foi reduzida para dez partidas. 

Em março de 2017, o Tribunal do Júri condenou seis pessoas pela confusão.

Por lesão corporal qualificada, dois torcedores pegaram penas em regime semiaberto e outros 4 foram condenados, em regime fechado, por tentativa de homicídio contra policial militar, por motivo fútil. 

Eles saíram presos da sessão, mas todos passaram para o regime semiaberto após decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR).

O retorno do Fluminense a Curitiba: Quinze anos depois, o Fluminense enfrenta o Athletico-PR, na Ligga Arena, no próximo domingo (1º), às 18h30 (horário de Brasília). 

Com o empate no Maracanã com o Criciúma na última rodada, o Tricolor é o atual décimo sexto colocado no Campeonato Brasileiro, com 39 pontos, a apenas um ponto da zona de rebaixamento. 

Precisando de um resultado positivo para seguir firme na briga contra o rebaixamento, o Fluminense pode se apoiar na história, como acredita Ronaldo Torres.

"Eu acho que o Fluminense tem tudo para escapar de novo e acredito que vai escapar. Tem um bom treinador, um bom time. A parte psicológica agora é muito importante. Quando eu cheguei em 2009, o cenário era muito pior. Tudo mundo cravava o Fluminense como rebaixado e escapamos. Conseguimos escapar. Este ano, tudo para conseguir de novo. Mas tem que acreditar", comentou Ronaldo Torres.

Reportagem: Globoesporte.globo.com

 

Adaptação: Eduardo Oliveira

 

Revisão de Texto: Ana Cristina Ribeiro

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