Leonardo vê grande potencial no mercado brasileiro: "Dos raros países que podem fazer a NBA (National Basketball Association é a principal liga de basquetebol profissional da América do Norte) do futebol".
Há 32 anos no exterior, ex-jogador lembra Copa de 1994, fala da paixão pelo Flamengo, da carreira como dirigente na Europa e aposta em Neymar na Arábia: "Basta querer".
As pranchas de surfe dos filhos apoiadas numa parede do apartamento no Rio de Janeiro são a ilustração do momento de tranquilidade pelo qual Leonardo passa.
Desde o início de agosto curtindo férias no Brasil, o filho famoso de Niterói completa 54 anos de idade nesta terça-feira (5) sem ainda ter definido seu futuro.
O ex-meia e lateral campeão do mundo em 1994 com a Seleção vive há mais de 30 anos fora do país, entre Espanha, Japão, Itália e França, último trabalho do dirigente.
Foi na capital francesa que ele lidou com a constelação do Paris Saint-Germain, (cada vez mais) de Mbappé, Neymar e Messi.
Antes de voltar para a Itália, onde tem residência fixa, deu tempo de torcer para o Flamengo no Maracanã contra o Grêmio, pela Copa do Brasil, e de falar sobre a carreira de atleta, de técnico por acaso e de dirigente em entrevista exclusiva para o Globo Esporte no Abre Aspas.
Abre Aspas: Leonardo
Nome: Leonardo Nascimento de Araújo
Idade: 54 anos
Nascimento: 5 de setembro de 1969, em Niterói-RJ
Carreira de jogador: Flamengo-RJ (Brasil), São Paulo-SP (Brasil), Valencia (Espanha), Kashima Antlers (Japão), Paris Saint-Germain (França) e Milan (Itália).
Carreira de dirigente: Milan (Itália) e Paris Saint-Germain (França).
Treinou também o Milan (Itália) e a Internazionale de Milão (Itália)
Principais títulos como jogador: Copa do Mundo de 1994, campeão mundial de clubes (1993) e do Brasileiro (1991) pelo São Paulo, Copa União de 1987 pelo Flamengo, J-League pelo Kashima (1996) e Série A da Itália pelo Milan (1998-1999)
Como é a relação com seu país depois de 30 anos morando fora?
"São 32 anos. Em 1991 saí do São Paulo, fui para a Espanha, para o Valencia. Mas nesse tempo eu tive a sorte de voltar duas vezes para o Brasil. Em 1993, antes da Copa do Mundo, e em 2001, para encerrar a carreira. Foram duas passagens que me deram um pouquinho de fôlego dessa distância para o Brasil. Mas realmente sinto muita saudade. Não sei se isso com o tempo está se transformando em nostalgia, hoje talvez até um pouquinho de frustração (risos). Porque, se eu pudesse ter vivido aqui no Brasil algumas coisas que eu vivi fora daqui, seria realmente uma satisfação enorme".
Você tem um objetivo concreto de voltar a trabalhar no Brasil?
Ou sua relação independe disso?
"Acho que independe, mas no fundinho acho que, se não acontecer, eu vou morrer frustrado. Porque eu tenho muita vontade de um dia viver isso".
"Mas eu tenho um lado muito pragmático, infelizmente ou felizmente. Talvez eu seja um pouco crítico nas minhas posições também. Então depende das pessoas com quem você trabalha, do momento e do contexto. O Brasil tem potencial enorme, eu sou um otimista, acho que aqui ainda existe muita coisa para ser feita. Acho que nenhum outro país reuniria tantos ingredientes como nós temos".
Numa entrevista ao Zico, em 2017, você disse que quase veio para o Brasil.
Foi quando Eduardo Bandeira de Mello era presidente do Flamengo?
"Essa conversa existiu com vários presidentes, com várias pessoas que trabalharam no clube e em vários momentos. E isso sempre foi motivo de grande prazer, até porque nasce de uma identificação, de uma relação. Uma coisa que me curava um pouco a distância (do Brasil) era esse contato. E outros contatos que tive no Brasil".
É verdade que você começou a jogar no Vasco?
"(Risos) Eu joguei no Vasco, foi meu primeiro ano. Foi no infantil. Eu jogava em Niterói e sinceramente não tinha uma pessoa que dissesse: “Olha, de repente você vai ser jogador profissional”. Não existia isso. Mas o Sergio Volpato, que era o treinador do Rio Cricket, em Niterói, falou: “Vamos fazer uma peneira”. A velha peneira, aquela coisa de reunir 300 garotos em janeiro e vai botando todo mundo para treinar, vai eliminando, e depois de duas, três semanas, você escolhe. Na minha época ficaram três desses 300. Mas eu me lembro de ter chegado no primeiro dia, e no Brasil você sabe como é que, o talento espontâneo desses garotos..."
A peneira foi em Niterói?
"Isso foi lá em Vargem Grande, você ia para São Januário, pegava um ônibus e ia todo mundo. Três, quatro, cinco ônibus, ia todo mundo. Uma viagem enorme para um garoto de 14 anos. E depois voltava para Niterói, chegava atrasado na escola, mas enfim... Quando cheguei, falei: “Caramba, é impossível”. Porque eram muito melhores do que eu, não sei como dizer. E depois essa coisa do Brasil é muito louca. Porque alguns faltam, um briga, outro acaba sendo eliminado porque não se comportou bem... E no final das contas, acho que eu tinha até menos talento do que eles, mas acabei sendo um dos escolhidos".
"Eu tenho certeza de que fiquei, como foi na minha carreira, porque nunca fui o craque do craque. Eu sempre fui o cara que compunha muito bem, que ajudava aquele contexto, talvez até melhorasse os grandes jogadores, os realmente grandes".
"Na minha carreira inteira, em alguns lugares talvez eu tenha participado desse grupo seleto dos melhores, mas no contexto de mais alto nível eu acho que fui um cara importante. Mas não o cara. E isso aconteceu na minha carreira sempre, porque eu vi muito desses caras. Convivi com Zico, Júnior e depois com Romário, Bebeto, Ronaldo e depois George Weah, Maldini".
Do início para o Vasco até chegar ao Flamengo, o que aconteceu?
"Meus pais eram, assim, bastante exigentes e era muito difícil chegar na escola. Quando chegou no final do ano, minha mãe disse: "Tem que terminar, tem que sair”. Eu não queria sair, mas tive que sair. E o Isaías Tinoco, que era o supervisor do Vasco na época em que eu fui, foi para o Flamengo. Ele vai na minha casa, convence a mim e a minha mãe de voltar a jogar. Isso também foi muito determinante, porque ali poderia terminar, mas ele foi incisivo, me ajudou muito e acabei indo para o Flamengo".
E de repente aquele garoto de Niterói é campeão brasileiro com 18 anos.
Era seu sonho?
"A conquista de 1987 foi o momento mais emocionante. Aquela coisa assim de nem entender o que está acontecendo... e buuum. Caí de paraquedas naquele time, aquele time dos anos 1980: Zé Carlos, Jorginho, Leandro, Edinho, eu; Andrade, Aílton, Zico; Renato, Bebeto e Zinho".
"Você cai de paraquedas nesse time, campeão brasileiro, foi... não vou nem dizer um sonho porque eu nem esperava que isso acontecesse, nunca sonhei, mas foi realmente um momento que nem sei te explicar. Nos anos 1980, o futebol era Maracanã com 150 mil pessoas. Você ia treinar, tinha seis mil pessoas na Gávea. O Zico era o que era, Zico reunia toda essa história".
No São Paulo você brilha com o Telê.
Foi uma grande fase da sua carreira?
"O São Paulo foi a melhor fase da minha vida como profissional, como jogador. O que a gente ganhou, um time mais que vencedor... Eu nunca joguei num time em que a gente tinha certeza de que ia ganhar o jogo. A gente podia até perder, mas a gente perdeu muito pouco. Mas a gente tinha certeza de que ia ganhar o jogo. Dava uma sensação de força. E o Telê era o que era. Então para mim foi tudo".
Aos 24 anos você vai para o Japão, uma trajetória incomum.
Foi pelo chamado do Zico?
"Ao chamado do Zico não tem como dizer não. Eu vivi dois anos no Japão, vamos botar assim, de amor. O fato de estar ligado a ele, as portas já se abriram e eu cheguei, assim, não para substituir, mas como aquele que vem depois dele. Zico foi a Kobe assistir a um jogo do São Paulo com o Botafogo, já tinha ido também no Mundial contra o Milan. "Vou parar de jogar e gostaria que você viesse”. Para mim, foi um orgulho infinito. Foi maravilhoso cada jogo, cada dia no Japão. Tenho carinho, agradecimento ao povo japonês que até hoje é assim. É permanente".
Mas já existia um temor de fugir dos olhos da Seleção?
"Tinha isso, era o que as pessoas diziam. Na época começou todo o processo da J-League, teve alto investimento das grandes empresas japonesas que foram formando seus times, o Zico foi o precursor, mas na época jogadores que já estavam mais para o final da carreira, como o Careca, Ramón Díaz, Schilatti e talvez eu tenha sido o primeiro saindo de uma seleção, de uma Copa do Mundo, a ir para o Japão. Mas existia isso".
"O Brasil não vive o que a gente viveu naquela época (de 1994) não".
A Seleção vai chegar a 2026 com 24 anos sem ganhar a Copa. Como era esse peso em 1994?
"Comparar momentos é sempre difícil. Mas eu acho que o Brasil não vive o que a gente viveu naquela época, não. Naquela época foi bem pesado. A gente perdeu jogos, gerou um burburinho... Tinha uma coisa muito forte, muito negativa, que era um time defensivo, que era um time que jamais ia ser campeão e tudo mais. Mesmo nos amistosos antes da Copa, no Brasil mesmo, as pessoas insatisfeitas. Quando você sofre junto, você cria uma cumplicidade forte. Mas foi realmente uma conquista, que não dá para dizer que era inesperada, mas ninguém acreditava que a gente ia ser campeão".
Qual a melhor história dessa Copa que não foi contada ainda?
"Acho que vocês conhecem todas. Até a minha foi contada, né? A infelicidade da minha expulsão foi contada de várias maneiras, talvez aquela ali para mim, com certeza, seja a mais forte. Uma história bem pesada, bem complicada".
Da cotovelada?
"Isso. Esses dias mesmo, me parou um garotinho na rua, estava com o pai dele e tal, conversando. “Ah, esse aqui jogou na Seleção”. O garotinho não sabia quem era. O pai: “É aquele que te mostrei, lembra da cotovelada?” Isso acontece muito (risos). Aí ele falou: “Ah, lembro, lembro”.
"Eu falei: “Então vou te contar direito”, brinquei com ele. “O que aconteceu foi o seguinte. Realmente eu fui expulso e foi terrível. Eu fui expulso aos 44 do primeiro tempo e eu estou no vestiário, supertriste, num canto e o Bebeto, que era muito meu amigo, me diz: 'Leo, vou fazer um gol para você, a gente vai ganhar esse jogo’. 1 a 0, gol do Bebeto. O Branco entra no lugar, e o jogo seguinte foi contra a Holanda, e o Branco faz o terceiro gol, 3 a 2, e eu talvez não fizesse aquele gol de falta que ele fez. Está vendo, a história é essa que o teu pai contou, mas tem uns detalhezinhos que foram determinantes.”
Essa abordagem te incomoda?
"Não, não me incomoda. Sou um cara bastante resolvido nesse sentido, essas coisas fazem parte, não determinam a minha personalidade nem o que eu sou como pessoa, nem talvez o que eu tenha sido como desportista, mas é claro que é um episódio que marca, mas que está resolvido na minha cabeça. Aconteceu, um mecanismo da ação, uma grande infelicidade, mas que faz parte desse nosso tão querido esporte, de contato, de briga e tal. Não foi nem de propósito, foi realmente uma situação de segurar, eu faço o gesto, claro que eu faço o gesto. Mas eu não achei nunca que fosse pegar aqui no osso dele, que ia acontecer o que aconteceu".
Você ficou amigo dele (Tab Ramos) depois?
"Fiquei, fiquei amigo do Tab Ramos. Logo depois fui no hospital, estive com ele e já brincávamos com isso. Eu terminei de jogar em 2001... Volto para o Brasil, faço seis meses, cheio de problemas, questão física e tal. Aí o Milan tinha marcado amistoso contra o Metrostars, em Nova York. Eu estava no Brasil e liga o (Adriano) Galliani. Minha relação com ele é de irmão mais velho, uma relação muito forte. “Leo, a gente vai jogar um amistoso. Vem jogar esse jogo, porque está todo mundo na seleção, a gente não tem time para jogar”.
"Eu falei: “Pô, vou jogar agora? Não treino há três meses”. Peguei um avião e cheguei lá... Era a despedida do Tab Ramos... Eu não sabia e foi maior barato, porque a gente se encontrou mais uma vez. A gente ria da situação. Isso foi em 2001. Sete anos depois..."
A Copa de 1998 tem alguma passagem mais marcante?
"Acho que não tem nada que nunca tenha sido contado. As pessoas depois começam a fazer mil elucubrações que foi isso, que foi aquilo. O momento foi difícil, também não quero nem entrar nesse debate, mas é uma história louca, história incrível. E mais incrível é esse cara (Ronaldo), não por acaso chamado de Fenômeno, volta para uma final quatro anos depois. Lembro de falar com o Ronaldo por telefone, nem dormiu para que nada acontecesse, e o cara faz dois gols na final e o Brasil é campeão".
É uma geração que foi campeã em 1994, vice em 1998 e campeã em 2002.
O que é muito raro, né?
"A gente falava outro dia disso, porque as pessoas esquecem disso. Hoje, nós estamos outra vez 24 anos sem chegar a uma final. De 2002 a 2026, vão ser 24 anos. E naqueles oito anos, três Copas, chegou em três finais, ganhando duas. Talvez por como foi vivido, não sei explicar por quê, mas não existe reconhecimento do que foi aquela geração, aquelas duas gerações, que conquistaram isso para o Brasil. Porque isso, realmente, foi uma coisa incrível. Viver aquele período foi marcante. Eu tenho muito orgulho de ter participado daquele grupo".
O dirigente Leonardo: "O cargo não é simpático"
Como foi a transição de jogador para dirigente, parando aos 32 anos?
"Foi no Milan. Eu gostava dessa coisa do clube, de como funcionavam as coisas. Mas foi a minha relação com o Galliani que me levou a fazer essa transição. Depois daquela partida do Tab Ramos, ele (Galliani) fala: “Faz uma coisa, Leo, começa a ir nas minhas reuniões, começa a ir no marketing, começa a ver tudo”. Eu conhecia todo mundo, e então eu mergulhei. Enquanto eu jogava, eu participava e tal, de tarde, ia nas reuniões, ia com ele".
"Até que chegou momento de crise, que eu quero contar em outro momento (risos) e ele me chama: “Quer parar de jogar?” Eu respondo: "Já parei, né?" E ele me chama para ser assistente dele".
Então o Galliani te aposentou?
"Já estava, na cabeça eu estava aposentado com 32 anos e foi assim. Fiquei seis anos do lado dele. De 2003 a 2009. Para mim foi uma universidade, porque eu estava do lado vendo tudo acontecer em todos os níveis de gestão do clube, mas sem a responsabilidade da decisão. A gente leva Kaká, Pato, Thiago Silva, uma sequência. Naquele período, participamos de três finais de Champions League, com duas vitórias... Em 2003, o Milan ganha nos pênaltis da Juventus, em Manchester. Em 2005, perde para o Liverpool, em Istambul, e depois ganha em 2007 contra o mesmo Liverpool, em Atenas. Foi uma escola. Uma pessoa (Galliani) que tem uma visão de 360 graus de tudo. Conhece tudo de futebol. Para mim, foi o maior dirigente que já vi no futebol e uma pessoa por quem eu tenho carinho até hoje".
Como era conviver com o Berlusconi, um personagem tão excêntrico?
"Eu tive alguns problemas com ele. Tivemos até uma ruptura, eu saio do Milan por essa discordância, mas acho que foi num momento difícil para ele. Ele era primeiro-ministro da Itália, acho que muitas coisas estavam acontecendo naquele momento. Saio também porque eram 13 anos de clube, existem ciclos que acabam terminando. Mas é uma pessoa que revolucionou o futebol, revolucionou o Milan. Como empreendedor, o cara fez de tudo. Foi primeiro-ministro da Itália, uma história incrível".
Você foi técnico do Milan e da Internazionale de Milão e depois nunca mais.
O que aconteceu?
"Depois de seis anos como dirigente, o Galliani me pede para ser o treinador do time, o que eu não queria. Até porque eu não me vejo treinador. Era um ano difícil, depois dessas três finais de Champions, com a Itália sendo campeã do mundo no meio (2006), era um ciclo que estava terminando. Gattuso, Ambrosini, Pirlo, Nesta, Zambrotta, Inzaghi, Pato, Ronaldinho ainda, Dida no gol. A gente se classificou para a Champions League do ano seguinte, o que foi já uma conquista. A gente acabou perdendo para o Manchester United, mas foi um ano superpositivo e em alguns momentos o time brilhou".
E a troca do Milan para a Internazionale de Milão, como aconteceu isso?
"Essa aí é uma história diferente. Na verdade, eu saio do Milan em 2010 e paro. E não porque eu tinha outra coisa. Foi um desses hiatos da carreira. Eu tinha uma relação muito forte com o Massimo Moratti, presidente da Internazionale de Milão. Relação de família, os filhos, os brasileiros que jogavam na Inter acabavam me aproximando também. Ele (Moratti) me liga em dezembro, no Natal. “E aí, vem?!” Ele já tinha brincado comigo várias vezes antes e eu sempre dizia “Não, não dá”. A gente se encontrou à 1h da manhã na casa dele. E naquela conversa não teve jeito. Sempre agi instintivamente e, ali, por razão ou por emoção, eu me envolvi na causa dele.
E na cidade, não foi complicado?
"Muito, muito complicado. Eu nem esperava que fosse tão complicado porque Ronaldo tinha jogado nos dois, Ibrahimovic, Baggio. Eu não sou nem Ronaldo, nem Baggio nem Ibrahimovic".
"Diferentemente desses grandes astros que jogaram nos dois, a minha relação no Milan foi mais profunda, estive no coração do clube. Foi bem pesado, dia a dia bem pesado, o derby que eu joguei, o jogo Milan e Internazionale de Milão foi bem pesado, bem forte".
Houve algum episódio de rua, ameaças?
"Vários, vários, mas deixa isso para lá. Esse troço aí tem que contar como uma coisa positiva, até porque eu me lembro até do que o presidente Moratti falou: “Pô, Leo, essa mobilização toda para um cara só, achei bacana”. Ele é um cara genial, genial".
Como é sair desse ambiente e ir para o Paris Saint-Germain, em Paris, com dinheiro do Catar?
"Ao falar de certos clubes você fala de tradição centenária, então é diferente, porque nasceram numa época diferente e construíram algo que talvez ninguém possa construir nascendo agora. O caso do Paris Saint-Germain é diferente. É um clube que nasceu nos anos 1970, está em Paris, a cidade do glamour, a Cidade Luz, talvez a mais bonita do mundo. Tudo que está ali tem que estar naquele nível. Em 2011, chega um novo investimento e ali se uniram o meu passado de jogador, de voltar a uma cidade em que eu já tinha estado, com um projeto muito ambicioso, de realmente se transformar num clube de primeira linha. Para competir Champions League, de estar... objetivo era esse, de estar entre o top 5. Essa era a ideia".
Por que acha que o Paris Saint-Germain nunca conquistou a Champions?
"Olha, a Champions League não é fácil ganhar. O Manchester City acabou de ganhar agora depois de 15 anos tentando. São muitas coisas juntas, times como Real Madrid, Milan, Manchester United, esses times, se estiverem num momento médio ou bom, tudo acontece naturalmente. O jogador quer ir para esses clubes, a imprensa quer falar desses clubes. O número de torcedores é infinitamente superior a dos outros clubes. Esses estádios têm tradições infinitamente superiores a de outros clubes. Então tudo isso já está criado, isso existe, é uma coisa estabelecida".
"Entrar nesse grupo de elite já é difícil. Claro que o fato de não ter ganhado é como se carregasse um pouquinho essa bola de chumbo amarrada no teu tornozelo. Mas o Paris Saint-Germain já está entre aqueles que podem ganhar".
"Vai passar por momentos melhores ou piores, bateu na trave na final contra o Bayern de Munique e perdeu de 1 a 0, chegou a uma semifinal depois e perdeu para o Manchester City. Mais cedo ou mais tarde vai acontecer".
Você fez mais amigos ou inimigos como dirigente?
"O cargo não é simpático, você está ali para dizer "não" para jogador, para bater na mesa com os outros clubes. Você tem que tomar decisão que muitas vezes não é simpática. Eu acho que, se eu alguma vez fui polêmico, fui intransigente ou fui antipático, vamos dizer que não é que está na minha natureza".
"Acho que eu fiz grandes amigos e também criei grandes distâncias de pessoas em função do que foi acontecendo. Mas isso aí também faz parte. Tenho 54 anos, não dá para olhar para trás e tudo ser perfeitinho. Tem sempre alguma coisa (risos)".
Você disse na França que o Mbappé não podia liderar o Paris Saint-Germain e que ele deveria sair. Por quê?
"Eu entendo a sua pergunta, eu já respondi sobre isso e, assim, geralmente eu não volto ao mesmo assunto. Isso (sobre Mbappé) foi dito, foi veiculado, está claro. Quem segue o futebol viu minha opinião e não gostaria nem de voltar ao assunto. É minha opinião, foi dita, eu acredito naquilo e vida que segue".
Como foram esses tempos com o Messi?
"Messi está nesse Olimpo do futebol. Tem Pelé, Maradona e Messi. Vamos botar assim, na ordem cronológica, para não entrar na discussão da posição de cada um. Messi é um gênio. Um cara que está na frente, que vê na frente, com uma constância incrível. Ele não foi Messi por uma semana, ele foi Messi por 20 anos. Uma coisa, um poder de execução, uma velocidade incrível, um cara genial".
"Não funciona por vários motivos", diz Leonardo sobre fracasso de trio Messi-Neymar-Mbappé.
Esperava ver Neymar saindo para a Arábia Saudita?
"Esse movimento que está acontecendo na Arábia, é normal que seja desconhecido. Mas não é só o Neymar que está indo para a Arábia. Eu não sou o Neymar, mas fui para o Japão com 24 anos. Poderia ter sido uma escolha completamente questionável e, para mim, foi uma coisa maravilhosa".
"Mesmo ele estando numa liga que a gente não conheça profundamente, ele pode manter sua forma, basta ele querer. Manter a forma, o grau de competitividade e continuar jogando em alto nível. Acredito que seja um movimento enorme, que ele se sentiu envolvido. E tomou a decisão de ir"
O que não deu certo para esse trio Messi, Neymar e Mbappé?
Por que não ganhou?
Tática?
Ego?
"Sinceramente eu acho que ego não. Existem pessoas que são mais complicadas, e não quero aqui ficar definindo quem é mais complicado ou menos complicado. Esses caras que têm esse nível de talento não são complicados. Essas pessoas resolvem mais problemas do que criam. E, se você tem que resolver o problema deles, faz parte. Você tem que assumir o ônus e o bônus. Isso aí faz parte. Então se você pegar um ataque como esse, você fez o máximo que poderia fazer por um time. Depois, não funciona. E não funciona por um motivo".
"As pessoas têm que se sentir bem. Esses caras precisam de estado de espírito, precisam estar bem, precisam ser reconhecidos. E esse trabalho quem tem que fazer é o clube, somos nós, dirigentes. Eles também têm que se colocar numa posição de disponibilidade para que isso aconteça".
"Para mim, jogador e treinador, mesmo que sejam desse nível, ganham jogos. Quem ganha campeonato é clube. Quem ganha campeonato é a empresa. Porque existe uma linha, que é muito forte, que é determinante, que não importa quem chegue, entre nessa linha. Isso facilita o trabalho. Quem administra e quem chega, porque sabe para onde ir. Falar é mole. Fazer no dia a dia é difícil".
Em 2009, você disse que o Flamengo deveria ser vendido. Como vê o clube hoje?
"Naquele momento ali da entrevista, que foi muito polêmica, o Flamengo vivia um momento difícil. Claro, eu falei do Flamengo porque eu tenho uma relação com o Flamengo. Mas servia para qualquer tipo de clube. Até porque chega a um ponto que, se você não abre para o mundo corporativo, para que possa haver uma injeção de capital para que possa mudar aquela realidade, não existe outro lugar a que possa recorrer".
"O Flamengo fazia um jogador, ele fazia três jogos e era vendido. Agora não, ele fica no Flamengo. Na época, não. Era um ciclo vicioso e não se saía daquilo".
"Então já que você não tem outros recursos, já que o clube está precisando dessa injeção, abre e vende. Foi o que aconteceu na Europa há 40, 50 anos. E é o que está acontecendo agora no Brasil".
O Flamengo conseguiu dar uma guinada desde 2013...
"Um time como o Flamengo é único no sentido que pode captar seus inúmeros torcedores, essa sua imensa visibilidade e conseguir... Esses caras que entraram (na diretoria), caras de mundo corporativo, marketing, comercial, trouxeram o know how deles, e conseguiram sanear a dívida, projetar o futuro, transformar o Flamengo no clube mais rico do Brasil. E utilizar toda essa força do Flamengo. Mas nem todos os clubes vão ter isso. A partir do momento em que tem que buscar novos recursos, a única maneira é transformar a base jurídica do clube para poder ter aporte de capital".
Enxerga o Flamengo no caminho para ser potência global?
"Para ter campeonato forte, tem que ter times como o Flamengo. E jogadores de certa importância. O Brasil é um dos raros países, que tirando a Europa, podem fazer a NBA do futebol. O Brasil tem tudo. Tem história, tem qualidade, tem estádios, tem tudo. Uma população enorme. O que falta no Brasil é conseguir fazer desse produto futebol alguma coisa que seja vendida no mundo inteiro. Hoje é difícil ver o Campeonato Brasileiro no mundo inteiro. Não chegam as informações, não existe a criação de identidade dos clubes no exterior. Ninguém conhece o dia a dia, como nós conhecemos dos clubes da Europa. Não existe criação de identidade dos clubes no exterior. Ninguém conhece o dia a dia como nós conhecemos a Europa. Teria que criar um produto que seja atrativo, que entre nos programas de televisão, das redes sociais, ou do que vai ser o streaming. Esse tipo de criação, de uma nova identidade do que é o Campeonato Brasileiro, para ser uma NBA, para ser visto no mundo inteiro, é isso que as pessoas tinham que se concentrar e se unir. Mas o país é um dos raros, talvez o único que pode fazer isso".
"Muitos clubes europeus não têm o faturamento que o Flamengo têm hoje. Só que, ainda geograficamente, você não está no circuito. Tem que fazer ver, informar, criar maneira para exportar, para buscar novas receitas, não só para o Flamengo, mas para todos os clubes que participam daquela liga. Para criar uma liga forte. O que já é! Ganhar o Campeonato Brasileiro é superdifícil. Mas esse tipo de criação, de nova identidade, para ser realmente uma NBA e ser vista no mundo inteiro".
"O Brasil pode fazer uma NBA do futebol", diz Leonardo no Abre Aspas.
Sobre Ancelotti: "Eu não acredito que o treinador seja o projeto"
A discussão no Brasil hoje é também da formação da liga. Tem participado de alguma conversa?
"Acaba chegando (alguma coisa). É uma coisa que me satisfaz muito. Porque talvez as pessoas me vejam nessa discussão. Acho bacana me perguntar "O que você acha? Como é que está? O que está vendo?". Ainda falta, na minha opinião, uma visão coletiva. A liga vai sair. Politicamente existe, já tem data para começar. Ainda tem vários detalhes desse acordo que não sai. E isso é uma pena, mas é normal que passe por isso, não dá para acertar tudo isso em dois dias. Vai acontecer. Tinha que ter uma visão mais global, mais unida. Para que todo mundo entenda que e esse é o caminho. Mas não há outro. Precisa de uma instituição independente para conseguir aumentar o que pode ser a capacidade do futebol brasileiro".
"Fácil falar, difícil fazer", diz Leonardo sobre criação de liga no Brasil.
Seu ex-técnico Carlo Ancelotti pode assumir a Seleção.
Você foi treinado por ele, foi chefe dele.
Jogou com ele?
"Não joguei. Carlo tem 10 anos a mais do que eu. Joguei contra. Quando eu volto para o Milan em 2002, o Carlo já era o treinador. Eu fico seis meses, e depois em abril eu passo a dirigente, assistente do [Adriano] Galliani, e fico de 2003 até o fim do período dele, em 2009. Eu entro no lugar dele, viro treinador no lugar dele. E depois quando eu vou para o Paris Saint-Germain em 2011, ele vai, eu o contrato para o Paris Saint-Germain, e a gente trabalha por mais um ano e meio no Paris Saint-Germain.
O que acha da ideia de ele treinar a Seleção?
"É um dos melhores treinadores do mundo. Uma pessoa que sabe estar com todo tipo de gente, um cara adorado pelos jogadores. Um vencedor. Ganhou onde foi. Isso não se discute. Mas tem que ter uma linha clara. Essa é a coisa mais importante. Depois o treinador vem e executa".
"Não acredito que tem que vir [alguém] para cá: "Toma a chave para você. Se você ganhar, tá beleza, a gente comemora. Se perder, a culpa é tua, eu troco, boto outro". Não. Tem que ter uma linha por vários anos. Nós temos uma identidade muito clara de futebol. Nós somos vencedores, nós somos apaixonados por isso. Não é questão de ser ou não Ancelotti. Eu não acredito que o treinador seja o projeto. O treinador é uma peça importantíssima desse projeto. Mas não pode ser que um treinador chegue e diga "Eu quero isso, eu quero aquilo". Não, um treinador tem que executar a linha estabelecida".
E Fernando Diniz acumulando Fluminense e Seleção?
"Eu não quero ser polêmico, não. Mas isso é apenas a consequência dessa falta de planejamento. Não tenho nada contra o Diniz, pelo amor de Deus, poderia ser ele o escolhido. Eu acho que a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) deveria sentar e determinar: nós faremos isso e isso por causa disso e disso. Com o treinador tem que ser a mesma coisa. Eu quero de você isso, isso e isso. Está a fim de fazer? Beleza, vamos embora. Mas fui eu (CBF) que determinei o que ele tem que fazer. E isso serve para os clubes também. Não serve só para a Seleção".
Falando do estilo, parou para prestar atenção no Fernando Diniz?
"Ele conseguiu impor sempre uma linha. Porque muitas vezes construir uma ideia é uma coisa. Mas colocar em campo, fazer com que os jogadores acreditem naquilo, é outra. Ele me parece muito dentro, tem ideias muito fortes, consegue transmitir e os times dele correspondem. Isso é uma coisa muito positiva para um treinador. Mas acho que uma direção forte é necessária. E, pelo amor de Deus, não estou falando isso para dar valor ao que faço, é só uma questão de crença do que pode funcionar. Não quero nada, estou supertranquilo (risos)".
Mas e agora?
Onde é que vamos ouvir falar do Leonardo?
"Não sei. As coisas vão acontecendo, vão mudando. As idades, os momentos. Não sei se vou fazer exatamente o que eu fiz até agora. As coisas passam, você vai mudando de posição. Hoje acontecem coisas diferentes para mim. O futebol está mudando muito. O fato de ter novos investimentos, novas maneiras de ver, de produzir futebol, tem que estar muito reciclado, muito atento. Hoje acontecem coisas que não aconteciam dois anos atrás. Não vou entrar nisso porque é complicado. O mundo do futebol vai ser sempre o meu mundo. É o que eu sempre fiz, o que sei fazer".
Reportagem: Globoesporte.globo.com
Adaptação: Eduardo Oliveira
Revisão de Texto: Ana Cristina Ribeiro
Nenhum comentário:
Postar um comentário