quarta-feira, 13 de abril de 2022

Amizade fora das quatro linhas

A amizade entre Alianza Lima e Colo Colo, uma relação que nasceu da tragédia.

Clubes consolidaram laços de fraternidade após o desastre aéreo que vitimou o Alianza Lima, em 1987. 

Hoje, no primeiro jogo oficial entre eles, enfrentam-se pela Taça Libertadores da América.

Entrar em um estádio com a camisa de um time qualquer que não o dono da casa é uma afronta de cunho quase antropológico em praticamente qualquer canto do mundo. 

Esse primeiro mandamento do bom senso futebolístico não se aplica quando o assunto é Alianza Lima e Colo Colo. 

E não apenas isso: os torcedores do clube peruano são recebidos com sincera hospitalidade, inclusive celebrados, quando envergam a camisa blanquiazul o estádio David Arellano, casa do Cacique chileno, e a recíproca é verdadeira quando os aliancistas percebem em sua casa algum visitante com a casaca do Colo Colo. 

Esse forte laço de amizade entre as agremiações teve origem em um evento trágico, em 1987. 

Hoje, os clubes mais populares de Chile e Peru enfrentam-se pela Taça Libertadores da América (em Santiago, às 19 horas - horário de Brasília), surpreendentemente, é o primeiro confronto oficial entre eles. Ambos estão no Grupo F, junto com River Plate e Fortaleza.

A história da célebre fraternidade remonta ao desastre aéreo que, em 8 de dezembro de 1987, vitimou uma promissora formação do Alianza Lima que liderava o campeonato peruano. 

Após visitar a cidade de Pucallpa, onde havia vencido o time local, a equipe retornava para a capital a bordo de um avião Fokker F27, que teve problemas técnicos e caiu no mar de Ventanilla, nos arredores de Lima. 

Morreram 43 pessoas, entre elas os 16 jogadores listados para a partida, além da comissão técnica, equipe de arbitragem e torcedores. 

Apenas o piloto sobreviveu, e jamais se manifestou sobre a tragédia, o que levantou as mais elaboradas suspeitas.

O desastre comoveu o mundo futebolístico e deixou os peruanos em um luto aparentemente indissolúvel. 

Em meio à tristeza avassaladora, um enorme gesto de solidariedade chegou desde os vizinhos chilenos. 

O Colo Colo decidiu emprestar ao Alianza, sem qualquer custo, quatro jogadores do seu elenco: o goleiro José Letelier, o defensor Parko Quiroz, o meio-campista Francisco Huerta e o atacante René Pinto. 

Com a ajuda do Cacique, somada a jogadores das categorias de base, a equipe aliancista conseguiu concluir a competição nacional, que acabaria perdendo. 

A relação de amizade, no entanto, estava consolidada e se tornaria a maior herança daquele período macabro. Cerca de um mês depois do acidente, o Colo Colo viajou ao Peru para um amistoso contra os blanquiazules. 

Ontem, véspera do encontro pela Taça Libertadores da América, jogadores chilenos que defenderam o Alianza Lima, incluindo Francisco Huerta e René Pinto, emprestados em 1987, visitaram a concentração do clube peruano em Santiago.

A longevidade dessa relação de hermandad chama a atenção devido aos constantes perrengues culturais, geopolíticos e até mesmo etílicos envolvendo Chile e Peru, rusga que teve um capítulo dramático na Guerra do Pacífico (1897-1883), conflito bélico que culminou com os chilenos tomando territórios do vizinho do norte e também da Bolívia, que ficou sem saída para o mar. 

Seja por questões territoriais, seja na disputa pela origem do Pisco, a aguardente feita de uva que alegra toda a gente daquela parte da América, os vizinhos nunca perderam a chance de se cutucar entre as cercas que compõem suas flexíveis fronteiras. 

O vínculo fraterno entre Alianza Lima e Colo Colo desafia esse atrito constante e prova que há mais semelhanças do que diferenças. 

Em 2014, na véspera de uma decisão do Tribunal de Haia que delimitou a fronteira marítima entre os países, tanto a Garra Blanca quanto o Comando Sur, barra-bravas dos clubes, manifestaram-se publicamente pedindo que os ânimos não se exaltassem, usando a amizade entre aliancistas e colocolinos como exemplo.

Depois dos eventos sucedidos naquele nefasto dezembro de 1987, rapidamente os laços de amizade ultrapassaram os limites institucionais para serem percebidos também na relação entre os torcedores. 

Nos arredores do Alejandro Villanueva, casa do Alianza Lima localizada no bairro de Matute, um emblemático mural mostra os escudos de ambos os clubes e entre eles está escrito "Un solo corazón". 

A mesma frase pode ser vista nos trapos pendurados nas arquibancadas, e com frequência, através de mensagens em suas contas oficiais, os maiores times do Peru e do Chile fazem questão de reafirmar essa união nascida da tragédia, que o tempo parece não ser capaz de borrar e nessa quarta-feira (13) será exaltada pela primeira vez em um confronto oficial. Sempre terreno fértil para hostilidades físicas ou subjetivas, hoje a Taça Libertadores da América servirá de palco para a celebração da amizade que ultrapassa fronteiras, cores e distintivos.

Reportagem: Globoesporte.globo.com

 

Adaptação: Eduardo Oliveira

 

Revisão de Texto: Ana Cristina Ribeiro

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