No dia do Folclore, comemorado em 22 de agosto, vamos recordar alguns fatos interessantes, chamados de folclore dentro do futebol.
O futebol é uma cultura muito rica.
Não se trata apenas de um jogo, um esporte, uma diversão.
É mais do que apenas resultados, estatísticas e súmulas.
Por suas características tão próprias e particulares, o futebol consegue produzir em seu redor uma quantidade enciclopédica de elementos simbólicos e icônicos, representados por histórias, eventos, pessoas e feitos.
É isso que eu chamo, aqui, de folclore.
O folclore sempre esteve presente no futebol. (Foto: Editorapeiropolis.com.br) |
Quando é o futebol brasileiro, então, nem se fala.
Temos uma quantidade passada, presente e futura de craques que nenhuma outra nação consegue igualar.
Tamos torcidas apaixonadas, dedicadas.
Temos times notáveis ao longo de tantos anos de campeonatos.
Temos até mesmo um longo histórico de desorganização que, por bem ou por mal, sempre leva a casos intrigantes.
Temos, enfim, história, cultura e folclore em nosso futebol.
Esta lista é uma tentativa de reunir os elementos mais importantes, marcantes e influentes desse nosso folclore futebolístico.
11 - AS PERNAS DE GARRINCHA
Quis o destino que o maior driblador do futebol brasileiro, quiçá do futebol mundial, tivesse sido dotado de um par de pernas incrivelmente implausível.
A direita arqueava-se para dentro, a esquerda fazia uma curva para fora.
Os joelhos, aparentemente fora de lugar sob as coxas, não tinham o menor jeito de serem capazes de sustentar o peso de um corpo, quanto mais suportar acelerações, freadas, fintas, súbitas mudanças de direção.
As pernas de Mané Garrincha eram uma absoluta impossibilidade que, em ação, botavam de lado a realidade e dançavam.
Dessa forma, eram também uma metáfora de seu dono: o eterno crianção preguiçoso e nada atlético que, com uma bola em sua frente e dois adversários a marcá-lo, transformava-se num extraordinário jogador.
Os membros inferiores retorcidos acabaram por se render ao tempo e ao esforço, no turbilhão que foi o fim da carreira do Mané.
Mas ficaram imortalizados em seu apelido, Anjo das Pernas Tortas.
E nas palavras do poeta brasiliense Nicolas Behr: “Nem tudo que é torto é errado/Veja as pernas do Garrincha e as árvores do cerrado”.
10 - O SAPO DO ARUBINHA
Uma deliciosa lenda carioca.
Em dezembro de 1937, o pequeno Andarahy esperava o Vasco em uma noite chuvosa para um jogo pelo campeonato estadual.
Nada de os vascaínos aparecerem por várias horas (seu ônibus havia sofrido um acidente), mas o time do subúrbio não quis pedir o W.O., pois achava que seria indelicado com o adversário.
Quando o Vasco finalmente chegou, o ponta-esquerda Arubinha pediu para os cruzmaltinos retribuírem a cortesia e não humilharem o Andarahy.
Não serviu de nada: o time da colina fez 12-0, sem piedade dos oponentes que haviam aguardado tanto tempo na chuva.
Arubinha, enfurecido, ajoelhou-se no campo e praguejou, suplicando aos céus que deixasse o Vasco 12 anos sem um título, como punição pelo ato vil daquele dia.
E de fato o Vasco não ganhou nada a partir dali.
A cada título perdido vinha a lembrança de Arubinha.
De algum lugar, então, veio a sugestão de que o ponta havia enterrado um sapo no gramado de São Januário, para selar a maldição.
O campo foi revirado e nada do sapo.
O Vasco recorreu ao próprio Arubinha, pedindo que ele revelasse a localização do bicho.
O jogador disse que nunca havia enterrado sapo algum, mas retirou a praga.
No mesmo ano (1945) o Vasco voltou a ser campeão.
O sapo, aliás, nunca foi encontrado.
9 - O JEJUM DE 23 ANOS
A seca do Vasco causada por Arubinha e seu sapo inexistente não foi nada perto do que aconteceu ao Corinthians.
Entre 1954 e 1977 o alvinegro não ganhou um titulozinho que fosse.
Jogadores e mais jogadores eram contratados como salvadores da pátria e sumariamente execrados quando não conseguiam levar o time do Parque São Jorge à tão esperada consagração.
Garrincha, já em fim de carreira, passou por lá, bem como o raçudo zagueiro Ditão, o polêmico Almir Pernambuquinho e o craque Rivellino, que protagonizou cenas de amor e ódio extremos e sai chutado do clube que o aclamou como um de seus maiores ídolos.
Esse tenso período de 23 anos teve uma serventia: definir o sentimento de corintianismo, provavelmente a única relação entre time e torcida que ganhou denominação própria.
O Corinthians, paradoxalmente, atraiu e fidelizou torcedores durante seu calvário, consolidando a figura do corintiano como um apaixonado sofredor, que encontra alegria na tristeza e nunca, em tempo algum, deixa sua paixão se abalar.
Essas emoções cultivadas explodiram em 77, quando Basílio marcou o famoso gol sobre a Ponte Preta que arrancou o grito da garganta da Fiel.
8 - A DUPLA DINÂMICA
O Brasil começou a Copa de 1958 desconfiado de dois jogadores reservas daquela seleção: Garrincha e Pelé, um firuleiro e um moleque.
Ambos haviam sido testados na preparação para o mundial e considerados talentosos, porém imaturos.
Eram opções aos titulares Joel e Dida.
Então, no terceiro jogo da fase de grupos o time passou por algumas mudanças e Garrincha e Pelé ganharam chance.
Não decepcionaram, e ficaram com as vagas.
Começava de vez a maior parceria da história do futebol mundial.
Naquela triunfante Copa, Pelé viria a marcar seis gols em quatro jogos e Garrincha infernizaria defensores de todas as nacionalidades com suas estripulias pela ponta-direita.
Era só o começo.
Ao todo foram 40 jogos juntos pela seleção, com 35 vitórias e 5 empates, o Brasil nunca perdeu com Pelé e Garrincha lado a lado.
Marcaram, juntos, 55 gols e disputaram três Copas, vencendo duas.
Números e brilho condizentes com o que representaram para o futebol.
7 - A CONVULSÃO DE RONALDO
Se há coisa que atiça o ser humano é um bom mistério, principalmente se vier acompanhado de teorias conspiratórias.
Foi o caso do piripaque sofrido por Ronaldo pouco antes da final da Copa de 1998.
O atacante, aos 21 anos, era o melhor jogador do mundo, astro da seleção e do torneio e esperava-se que decidisse o mundial a favor do Brasil.
Durante a tarde, ao cochilar, teve uma convulsão que o levou para o hospital e deixou toda a delegação nacional com a pulga atrás da orelha.
Seu nome chegou a ser omitido da ficha de escalação pré-jogo, mas ele foi a campo, até hoje não se sabe bem quem autorizou.
Ele insistiu?
A CBF (Confederação Brasileira de Futebol)?
A Nike, através de alguma cláusula escusa do contrato de patrocínio?
O fato é que Ronaldo jogou (mal) e o que quer que tenha se passado naquelas misteriosas horas foi o que nos custou a Copa, segundo a crença geral.
Até hoje o caso não foi esclarecido, e sua obscuridade mantém a história viva na memória brasileira.
6 - OS GOLS QUE PELÉ NÃO FEZ
A cena: um jogador, mais ousado, percebe o goleiro adversário adiantado e dispara um chute do meio-campo, sem pestanejar.
A bola descreve uma parábola, a torcida prende a respiração, o infeliz arqueiro não se recupera a tempo.
Gol.
Acrescenta o narrador: “Foi o gol que o Pelé não fez”.
A referência vem da Copa de 1970.
No jogo contra a Tchecoslováquia, na fase de grupos, Pelé espiou o goleiro Ivo Viktor fora de posição e mandou da linha central, errando por centímetros.
Se tivesse marcado seria um golaço dos mundiais.
A ousadia e o susto pregado em Viktor, combinados com o caprichoso desvio da bola, eternizaram a tentativa da mesma forma.
Bem como o drible vertiginoso aplicado no uruguaio Ladislao Mazurkiewicz na semifinal, sem tocar na bola, que também gerou um memorável quase-gol.
E o que dizer do tiro de primeira rebatendo tiro de meta de Mazurkiewicz?
E da cabeçada impecável para defesa impossível de Gordon Banks?
Os não-gols de Pelé são quase tão célebres quanto os gols. Só o Rei poderia ser assim.
5 - A DEMOCRACIA CORINTIANA
Veio do clube do povo, evidentemente, uma experiência única de gestão participativa de uma equipe de futebol.
Em plena ditadura no Brasil, um regime autoritário foi derrubado no Corinthians por um movimento de jogadores, que, em parceria com a nova diretoria, implementou um sistema inovador de tomada de decisões.
Foi a Democracia Corintiana, fruto da união de atletas politizados e de ideologias bem marcadas, Sócrates, Wladimir, Casagrande, com cartolas modernizadores, Waldemar Pires, Adilson Monteiro Alves.
No regime da Democracia, os jogadores tinham voz e voto nas resoluções e podiam opinar em temas amplos, como a condução política do clube, ou em detalhes da vida cotidiana, como a necessidade da concentração antes dos jogos.
O movimento extrapolou o âmbito esportivo e batalhou pelas eleições diretas no país.
Durante o período, o Corinthians exibiu em sua camisa slogans pró-abertura democrática, e Sócrates era figura fácil nos comícios das Diretas Já.
Durou pouco, entre 1982 e 1984, mas rendeu dois títulos paulistas e subverteu o status quo do futebol, elevando a figura do jogador.
4 - A REDENÇÃO DO FENÔMENO
Ronaldo protagonizou duas histórias mitológicas do futebol brasileiro.
A primeira, já abordada, foi sua queda em 1998.
Deu a volta por cima em 2002, de forma absolutamente épica.
O centroavante chegou à Copa do Mundo entre descrenças.
Afinal, acabava de praticamente reaprender a andar depois de uma medonha contusão no joelho direito que o deixou longe dos campos por mais de um ano.
Sem ritmo de jogo, temia-se pelo rendimento de Ronaldo no mundial.
E dele a seleção dependia muito, já que o técnico Luiz Felipe Scolari resistiu aos apelos do país e não convocou Romário.
Pois Ronaldo fez o que já se sabe.
Marcou oito gols (mais do que qualquer outro jogador em um mundial desde 1970), incluindo o único da semifinal e os dois da final, e ganhou a Copa para o Brasil.
No fim do ano, foi eleito pela terceira vez (recorde histórico) o melhor do mundo.
Nada mau para quem havia esfacelado o joelho alguns meses antes.
3 - A BATALHA DOS AFLITOS
A final da Série B de 2005 ainda provoca lágrimas nos gremistas.
O Grêmio disputava o quadrangular final contra Náutico, Santa Cruz e Portuguesa.
A rodada final, em 26 de novembro, aconteceu toda em Recife: o Santa recebeu a Lusa e o Imortal visitou o Timbu.
Com a vitória do Santa Cruz, apenas uma vaga para a elite sobraria para os combatentes no fatídico Estádio dos Aflitos.
Quem vencesse levava, e o empate beneficiava o tricolor gaúcho.
O Náutico perdeu um pênalti ainda no primeiro tempo, e o Grêmio, de tanto barrar o jogo do adversário, teve o lateral-esquerdo Alejandro Escalona expulso.
Faltando 20 minutos, novo pênalti para os donos da casa, e expulsão do volante Nunes.
Os jogadores gremistas se revoltaram contra o árbitro Djalma Beltrami, e Domingos e Patrício também acabaram expulsos.
Parecia o fim: um pênalti contra e quatro jogadores a menos.
Aí deu-se a sucessão de milagres.
O goleiro Galatto salvou com as pernas a cobrança de Ademar, e abafou o escanteio subsequente.
Anderson ficou com a bola, arrancou e provocou a expulsão do zagueiro adversário Batata.
Na sequência, conduziu a bola em linda jogada individual e marcou.
O Grêmio se segurou por 10 minutos com três homens de desvantagem e sagrou-se campeão, após tudo indicar que o destino seria mais um ano de segunda divisão.
A Batalha dos Aflitos, como foi chamada a partida, virou documentário em 2007 e história para sempre.
2 - O FLA-FLU DA LAGOA
Nelson Rodrigues sacralizou o Fla-Flu, dizendo que ele havia nascido “quarenta minutos antes do nada”.
Mas foi seu irmão Mário Filho que a eternizou em sua crônica do maior de todos os Fla-Flus.
O nome que ele mesmo deu foi o que ficou: Fla-Flu da Lagoa, o clássico para definir todos os clássicos, o jogo mais mirabolante de que se tem notícia no Brasil.
A Lagoa em questão é a Rodrigo de Freitas, que, por muito tempo, antes da criação de vários aterros, teve o campo da Gávea às suas margens.
O Fla-Flu em questão foi válido pela última rodada do returno do Campeonato Carioca de 1941.
Vitória do Fluminense ou empate resultavam em título tricolor.
O Flamengo precisava ganhar para ser campeão.
Faltando seis minutos, com o jogo empatado em 2-2, o Flu (que já havia tentado de tudo para embromar o jogo) passou a adotar uma estratégia hilária: sempre que retinha a posse, disparava a bola para dentro da lagoa.
Cada reposição exigia que se buscasse a bola na água.
Os seis minutos arrastaram-se por toda a tarde e noite adentro.
A ideia malandra deu certo e o Flamengo não conseguiu o terceiro gol a tempo.
O jogo em si teve muitas outras atribulações, mas o artifício “bola na lagoa” foi mesmo o fato mais marcante, que até hoje permeia essa grande rivalidade que opõe o aristocrático e o popular no futebol do Rio de Janeiro.
1 - O MARACANAZO
A maior tragédia do futebol brasileiro é também o grande evento da nossa mitologia futebolística.
Todos conhecem a história.
O Brasil organizou a Copa de 1950 como uma festa de auto-consagração e construiu o Maracanã para ser o palco do nosso grande triunfo nacional.
As performances do time na segunda fase inflaram a confiança, políticos oportunistas de aproveitaram dos jogadores, jornais estamparam manchetes precoces comemorando a conquista.
Os uruguaios foram desconsiderados.
Na final, reverteram o placar, calaram o maior estádio do mundo, fizeram 200 mil pessoas chorarem, incrédulas, e sagraram-se campeões do mundo debaixo dos nossos narizes.
A derrota abalou não só o futebol nacional como também a auto-estima do povo e a confiança no crescimento anunciado do país.
Numa sociedade tão entrelaçada com o futebol, o Maracanazo acabou se consolidando como tragédia nacional, como se fosse a derrota em uma guerra.
Até hoje é sadicamente recordado por todos.
Os aniversários não passam em branco.
Alcides Ghiggia, o uruguaio que passeou pela ponta-direita no jogo, único dos 22 em campo naquele dia que ainda é vivo, é incensado como uma espécia de anti-divindade, ao mesmo tempo odiado e admirado.
Histórias sobre a decisão foram contadas e desmentidas, e vidas inteiras de jogadores e torcedores ficaram marcadas por aquele 16 de julho.
Em um país que sofre de crônica perda de memória, o Maracanazo é o acontecimento que nunca passou.
Reportagem: Memoriafutebol.com.br
Adaptação: Eduardo Oliveira
Revisão de Texto: Ana Cristina Ribeiro
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